Blog do escritor Ferréz

Datilógrafo do gueto - introdução

Salve, estou postando uma parte do livro, para vocês degustarem, espero que curtam. axé.

Prefácio


Meu pai não queria que eu fosse escritor nem desenhista, ele queria que eu fosse datilógrafo. Porque dizia que era inteligente quem fazia duas coisas ao mesmo tempo, e na prefeitura, a mulher conversava com ele enquanto digitava na máquina o imposto que ele iria pagar.
Acordei e cruzei a viela para ir à casa do Alex, a Dona Nair me atendeu, ofereceu café, entrei no barraco e logo estava com o copo fumegante na mão, lá ouvíamos as músicas novas de Rap que ele gravava nas fitas k7, as novidades que passaram na rádio naquela semana.
Meses depois fui na casa do Alê, agora Dj do grupo Realismo Frontal, hoje chamado de Negredo, até para sentar na cadeira tinha que tirar os videocassetes. O Alê nessa época era Dj do Trilha Sonora do Gueto, no mesmo horário tava os dois juntos, após me despedir fui na rua Grisson que fica 3 ruas abaixo, ver o Original Black, grupo do Maurício DTS, e já no outro dia estava no ensaio do Conexão do Morro e Realidade Urbana no Jardim Mitsutani.
Numa época que o porta-discos (Case) era de caixa de madeira, feita artesanalmente, os equipamentos eram uma junção de 4 ou 5 caras, e todo esse movimento fazia um bem danado.
Eu saía do Jardim Comercial e ia pra Cohab Adventista, descia pro Mitsutani e depois ia pro Parque Independência, e vivia de ensaio pra ensaio.
Chegava num barraco com um sofá fodo fodido, que tinha uma mesinha de caixote de feira, cheia de livros e uma caixa de leite com dezenas de fitas k7.
10 livros lançados, 22 anos de carreira, e o único diploma na parede é de datilografia.
Com essa abertura, eu apresentava nas escolas o poema “Datilógrafo do gueto” e o poema foi crescendo, recitado em shows, quermesses, intervenções, saraus. Lugares onde temos que realmente jogar para ganhar, senão, perdemos a chance de trazer o cara para a leitura.
 O público que lê meus trampos, mas também é público do Rap nacional, demostrou um amor pelo poema, e logo virou camiseta, depois boné, e eram postados na internet trechos com desenhos e recriações, foi lindo ver esse poema voar dessa forma, ganhar as ruas. O que eu não sabia era que isso inauguraria um novo momento na minha vida, os manos, minas e monas, que me conhecem somente pelos poemas, quase não leram mais nada, alguns ainda passaram pelo primeiro livro, o Capão Pecado, mas a maioria sabe os trechos de cor, ouviu alguém recitando ou mesmo me conheceu num clip de Rap de algum grupo que usa trechos. Bom! Uma forma nova de ganhar as ruas, de passar do escrito pro verso no ar, do papel para estar nas esquinas, vielas, ruas, shows, momentos diversos dessas pessoas, que encontram ainda esperança em meio ao caos. 

Datilógrafo do gueto

Datilógrafo
escritor do gueto
plantador de ódio, 
injetor do kaos moderno

Terrorista literário
de fuzil bic na mão
 arma nuclear
 informação

Conseguiram do povo
a desunião
50 cents de pistola na mão
Luther King morreu em vão

Se for falar o que penso
tem coisa que não compreendo

Pornô mundo
mundo pornô
me mostra
A nudez da sua cor

Amor pela quebrada 
virou frase de para-choque
a ideologia tá em crise  
pra quem tá em choque

O povo chora a dor, chora dor
mensageiro da mentira para senador

Mas no meu peito Zumbi
na mente Marighella
no punho Solano 
quebrada favela

São anos de rancor em vão
chega de tiração
Deus perdoa
eu não

O pavio é fácil de acender
no clip tem tudo
que você quer ser

Na rua tanta solidão
verdades são mentiras, jão

Anota 10, a minha nota
Pro sistema hipócrita 
todo mundo é fantoche, 
mas eu vejo as cordas.









Nenhum comentário: