Blog do escritor Ferréz

Fluxo (trecho de conto inédito)


Fluxo 


Estrada de Itapecerica da Serra, uma longa estrada que cruza o Capão Redondo e passa para o município de Itapecerica, tem o famoso morro do S, onde os ônibus no horário de pico ficam iguaizinhos a um trem, parados esperando um maquinista fantasma liberar o trânsito, que por magia para todos os dias no mesmo horário. 
Subindo sentido Valo-Velho, um bairro amontoado de casas e pessoas, que, vindas de todos os lugares bonitos, tentam agora a todo custo que pequenas paredes chapiscadas ganhem cores de tintas feitas com cal, tenham a mesma nobreza do verde de suas regiões, lugares longínquos, onde cigarros eram raridades, Bahia, Piauí, Pernambuco, e hoje o cigarro do Paraguai, com nomes tão estranhos e genéricos, estão nos bolsos.
Um cano cuspia dois fios de cobre revestidos de plástico já ressecado pelos contáveis dias de sol forte sobre a telha.
Entre uma estante e outra a fresta armazenava cuidadosamente pó, mostrando que a limpeza fora da festa era talvez a ilusão, a influência humana, a mudança.
Poucos barracos terminados, ruas de terra, o sol começa a se pôr. Ela seca as lágrimas, ficou horas vendo as notícias dos telejornais, a morte do MC Daleste faria ainda muito barulho. Saindo do barraco que hoje é seu lar, pronuncia os versos do cantor assassinado, versos que pareciam ser feitos diretamente para ela, assim como para milhares de jovens periféricos. "Quando comecei passava mó dificuldade, e lá em casa era fora de realidade, é revoltante eu sei senti o gosto do veneno, até meus treze anos de idade não tinha banheiro". Altiva, não olha pros vizinhos, não gosta de zé povinho, quem é não comenta, não conspira e não ostenta. 
Parada no ponto de ônibus, tira o pequeno espelho da bolsa, retoca o batom nos lábios, uma van passa, uma lotação e um motorista que assobia, ela olha de soslaio, e lê o adesivo atrás. “Preto Ghóez vive eternamente.” Entende como uma homenagem a algum novo falecido, talvez um motorista de van, talvez um dos rappers das antigas, desses que os caras mais velhos ficam tocando nos bares.

se gostou desse trecho, chame as pessoas pro blog, se chegar a 300 pessoas eu publico ele na íntegra heim. bora nessa. 
#blograiz 

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