O pão e a revolução (conto do livro Ninguém é inocente em São Paulo)
Coloram dois universitários no balcão, me afastei.
Estava no bar do Donato, um tiozinho pela ordem.
Com o bar havia sustentado os cinco filhos, nenhum virou malandro.
Notei os dois estudantes bebendo Coca-Cola e curtindo a vida agora.
Mais tarde, eles iam no “eu amo tudo isso”, tomar um lanche, fodam-se.
Um homem mancando se aproximou.
- Me paga um pingado e um pão, moço.
- Pão com quê? Perguntou um dos universitários.
- Pode ser com manteiga.
- Esse é o problema, meu amigo, pouca pretensão, por que não pede um pão com queijo?
- Preten... o quê? Perguntou o homem que mancava.
- Deixa quieto. Respondeu o outro estudante, meio impaciente.
Donato olhava a cena enquanto lavava os copos.
- Não pode ser assim. Informação é para ser distribuída, pretensão é você querer ter algo, explicou o outro universitário.
- Eu quero um pingado e um pão com manteiga, falou o homem que mancava e tinha uma mancha no olho.
- Faz assim: por que você não pensa em vender uns doces, sei lá, fazer algo melhor com sua vida do que pedir?Disse um dos caras.
- Deixa o homem, porra! Falou o Donato, meio alterado.
- Mas a gente só tá tentando dizer que ele devia revolucionar a vida dele.
- É, por exemplo, estudar, se empenhar, ter preparação para quando chegar a oportunidade.
- Mas ele só quer um pão com manteiga, gente! Falou quase gritando o Donato que havia criado cinco filhos.
Eu fiquei de boa, tomando meu café com leite, pensava num conto, mas me faltava algo.
- Então que ele se empenhe mais, isso é uma sociedade capitalista, não tem espaço para todo mundo.
- É isso mesmo, a vida é assim, a não ser que façamos a revolução. Brandiu o outro estudante.
- Eu só queria um pingado e um pão com manteiga, moço. Falou o homem mancado, com uma mancha no olho e um curativo no braço.
- Mas é isso, meu amigo, que estamos falando.
- É, ele não entende, tem que acontecer uma revolução.
O Donato interrompe a conversa, meu conto tá quase terminando, deu um pingado para o moço que abriu um sorriso e, mesmo antes de agradecer, foi lhe dado também um pão com manteiga.
- Tá vendo, é isso que não pode, tem que dar estrutura, dar a vara e não o peixe. Falou indignado o universitário.
- É isso mesmo, você está agindo com assistencialismo, não devia. Completou o outro estudante. E, mesmo antes de completar a frase, Donato o interrompeu e terminou a discussão.
- É o seguinte, seus doutorzinhos, eu trabalho aqui há vinte anos, todos vocês tem esses papos, esse homem tá nessa vida a todo esse tempo e quantas turmas já passaram por aqui, e essa tal de revolução não veio até hoje.
Terminei o café.
A faculdade da vida é mil grau.
3 comentários:
Trabalhar em frente a uma faculdade, numa farmácia, me fez perceber realmente o que se passa, o pai paga a faculdade, só vejo eles passando e vendo nada na sociedade eles não tão nem ai, não querem uma sociedade mais justa, não querem a inclusão social, querem o carro deles e o emprego de terno que eles sonham e agente que mora na favela do lado do condomíni deles não tão ai, espera essa revolução que nunca vai vim.
Pra quem ta de fora e mais facil falar de assistencialismo,assisti o filme "a procura da felicidade",enquanto os brancos riam e viam aquela situação como uma coisa distante, eu me sentia o propio personagen, não podemos ficar esperando os brancos temos que fazer por nois. abraços.
salve, galera;
temos que ocupar os espaços, todos que nos foram negados. a universidade é um desses espaços. entrar e subverter a educação burguesa. dar uma bica a estrutura excludante, negar o vestibular que oprime, exclui e deixa lokão. (vcs lembram do estudante do 'capitães da areia?'). todo mundo junto e misturado pisando nos boy.
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