Canto da Sereia
Entrou pela primeira vez, talvez não fosse a última, talvez.
Ali dentro não tinha nome, não tinha cometido nenhum crime, era um número.
Não tinha que explicar nada, nem contar histórias.
Era simplesmente um número.
Não achou nenhuma cela com conhecidos, e o guarda começava a forçar uma escolha.
Olhou o velho pacato no xadrez, mais dois no canto jogando baralho.
Ouviu o impacto da água sobre outra água, balde no vazo.
Tinha outro no banheiro.
Era ali mesmo, o guarda estava impaciente.
Entra logo ladrão.
Cumprimentou com os olhos, nada mais.
O velho continuava encostado na parede, olhos para um copo com água em um pequeno banco de madeira.
Chegou no velho e disse que era temporário sua estada naquele barraco, que amanhã procuraria com mais calma algum barraco onde tivesse um amigo.
O velho abaixou a cabeça e levantou em sinal de compreensão.
Os outros companheiros o chamaram para entrar no jogo, preferiu não, era cedo demais para algum contato.
Chegou a hora da janta, o bandéco foi entregue a cada preso, o velho nem olhou, somente esticou o braço e pegou, abriu e começou a comer lentamente, foi a primeira vez que tirou os olhos do copo d água.
Ficou contente com a refeição, mesmo com o arroz cru e quebrado.
A fome era a fome. O caos era o caos.
Antes mesmo de anoitecer pegou no sono, se encolheu num canto da cela e deixou as pálpebras descerem.
O sol estava batendo em seu rosto, abriu os olhos e contemplou o amanhecer, o velho estava bem a sua frente, olhando para o copo.
Dali a 4 horas iria para outro barraco. Só sair para o banho de sol e faria os contatos necessários para localizar os parceiros.
Viu os presos apostando copos com água, quem perdesse bebia um copo, não tinha paciência pra jogos, nunca teve, na verdade nunca gostou muito de perder, e a perda da liberdade já era mais que suficiente.
Faltava duas horas, já tinha contado as barras do xadrez de traz pra frente, já tinha mentalizado todos os prejuízos que teria com sua prisão, já tinha pensando em como seria seu primeiro dia em liberdade embora isso estivesse distante, mas pensaria em mais o que.
O velho não tirava os olhos do copo com água, não tinha ido ao banheiro uma única vez, não tinha sequer deitado? Será que ele havia dormido? Será aquilo algum tipo de loucura?
Faltava dez minutos, e começou a andar de um lado para outro, os minutos pareciam horas, silêncio total, de vez em quando alguém bebia um copo de água perdido numa aposta.
O sinal tocou, as celas foram sendo abertas uma a uma, ele pegou a pequena sacola, onde estavam um par de chinelos e duas camisas e antes de sair, olhou para o velho e não resistiu.
O que o senhor tanto olha ai nesse copo com água heim?
O velho ergueu a cabeça bem lentamente e disse.
Estou aqui a 22 anos e ainda não sei nada, e você chegou agora e já quer saber das coisas?
Entrou pela primeira vez, talvez não fosse a última, talvez.
Ali dentro não tinha nome, não tinha cometido nenhum crime, era um número.
Não tinha que explicar nada, nem contar histórias.
Era simplesmente um número.
Não achou nenhuma cela com conhecidos, e o guarda começava a forçar uma escolha.
Olhou o velho pacato no xadrez, mais dois no canto jogando baralho.
Ouviu o impacto da água sobre outra água, balde no vazo.
Tinha outro no banheiro.
Era ali mesmo, o guarda estava impaciente.
Entra logo ladrão.
Cumprimentou com os olhos, nada mais.
O velho continuava encostado na parede, olhos para um copo com água em um pequeno banco de madeira.
Chegou no velho e disse que era temporário sua estada naquele barraco, que amanhã procuraria com mais calma algum barraco onde tivesse um amigo.
O velho abaixou a cabeça e levantou em sinal de compreensão.
Os outros companheiros o chamaram para entrar no jogo, preferiu não, era cedo demais para algum contato.
Chegou a hora da janta, o bandéco foi entregue a cada preso, o velho nem olhou, somente esticou o braço e pegou, abriu e começou a comer lentamente, foi a primeira vez que tirou os olhos do copo d água.
Ficou contente com a refeição, mesmo com o arroz cru e quebrado.
A fome era a fome. O caos era o caos.
Antes mesmo de anoitecer pegou no sono, se encolheu num canto da cela e deixou as pálpebras descerem.
O sol estava batendo em seu rosto, abriu os olhos e contemplou o amanhecer, o velho estava bem a sua frente, olhando para o copo.
Dali a 4 horas iria para outro barraco. Só sair para o banho de sol e faria os contatos necessários para localizar os parceiros.
Viu os presos apostando copos com água, quem perdesse bebia um copo, não tinha paciência pra jogos, nunca teve, na verdade nunca gostou muito de perder, e a perda da liberdade já era mais que suficiente.
Faltava duas horas, já tinha contado as barras do xadrez de traz pra frente, já tinha mentalizado todos os prejuízos que teria com sua prisão, já tinha pensando em como seria seu primeiro dia em liberdade embora isso estivesse distante, mas pensaria em mais o que.
O velho não tirava os olhos do copo com água, não tinha ido ao banheiro uma única vez, não tinha sequer deitado? Será que ele havia dormido? Será aquilo algum tipo de loucura?
Faltava dez minutos, e começou a andar de um lado para outro, os minutos pareciam horas, silêncio total, de vez em quando alguém bebia um copo de água perdido numa aposta.
O sinal tocou, as celas foram sendo abertas uma a uma, ele pegou a pequena sacola, onde estavam um par de chinelos e duas camisas e antes de sair, olhou para o velho e não resistiu.
O que o senhor tanto olha ai nesse copo com água heim?
O velho ergueu a cabeça bem lentamente e disse.
Estou aqui a 22 anos e ainda não sei nada, e você chegou agora e já quer saber das coisas?
Ferréz é autor de Capão Pecado, Manual Prático do ódio, Amanhecer Esmeralda e Ninguém é inocente em São Paulo, todos pela editora Objetiva
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