Blog do escritor Ferréz

Nesse Natal O Pote Mágico

Escrevi esse livro infantil com muito carinho, relembrando o que passei no Capão Redondo quando era criança. Desde fazer bicos olhando carros, pegando papelão, me esforçando para ter as primeiras coisas que eu tinha vontade de ter.
Corri muito para poder ver um pote que meu vizinho dizia que era de fazer bolinhas de gude, tentava assim, continuar sonhando apesar do cotidiano violento que me cercava e eu começava a entender.
O livro traz um pedaço de uma época linda da nossa vida, onde o sonho estava acima de tudo, a infância.
O Pote Mágico.

Gravando especial para a TV Cultura

O escritor Ferréz foi escolhido pela TV Cultura para gravar o especial do programa Roda Viva de final de ano, ao lado de jornalistas o escritor recebeu o convite nessa semana, e a gravação será no dia 11, o autor que é conhecido por sua temática dura e contundente também fará um especial para a TV Gazeta ainda nessa semana, o programa da TV Gazeta irá ao ar em 2014 e é especial sobre o bairro que o escritor conhece muito bem, Capão Redondo.
Já o Roda Viva vai ao ar no dia 30 de Dezembro, um dia após Ferréz completar 39 anos de idade e 16 de carreira literária e de ativismo social.

Meu sonho numa banca.

A 22 anos atras estava em frente a uma banca de jornal olhando a revista mais legal do mundo, e que eu não tinha dinheiro para comprar, esperei o final do mês e recebi meu salário de balconista de padaria.
Fui na banca, mas já tinha recolhido, fiquei 22 anos pensando naquela história, naqueles desenhos.
Revirei sebos e bancas de revistas usadas, mas nunca me deparei com aquela revista.
Semana passada, estava no centro com dois amigos, e do nada passei no banco e saquei um pouco de dinheiro, um dos amigos, o Maurício me perguntou porque ia sacar, eu não sabia explicar, mas disse que ia comprar algo.
Junto com ele e o Igor fui caminhando pelo centro e olhando para uma banca de revistas usadas via a capa, não acreditei, caminhei com o coração a toda prova, me controlei para não dar bandeira e perguntei quanto.
Ele respondeu e era um pouco menos do que eu tinha sacado, entrei na banca e vi ainda um exemplar da revista O Anjo de Flávio Colin, de 1960, não resisti e peguei também.
Chegando em casa, deixei a do Colin para degustar mais tarde, peguei a outra, tirei do saquinho, li a introdução e passei a semana degustando cada detalhe do desenho de Mazzucchelli e cada frase do texto de Frank Miller.
Demorou 22 dois anos, mas finalmente li Batman Ano Um.

Os órfãos de Dona Néia (Ferréz)


Os órfãos de Dona Néia.


Dona Néia era velha.
Os adultos chamam os velhos de idosos, é politicamente correto.
Isso só não muda o tratamento ruim que os adultos dão aos velhos.
Tratam mal e respeitosamente os chamam de idosos.
Os adultos esquecem que foram crianças.
Os adultos fingem não entender que serão idosos.
Crianças são chamadas de pequenas.
Assim como os anões que também são chamados de pequenos.
Crianças quando vão comprar alguma coisa não são atendidas.
Idosos quando querem descer do ônibus tem que mostrar uma carteirinha.
Um adulto tem que olhar e dizer para atender as crianças.
Um adulto tem que olhar e autorizar para que o Idoso use a carteirinha.
Crianças não tratam os idosos como velhos.
Crianças tratam todos os idosos como avós.
Dona Néia era uma idosa.
Todo dia ela suba uma ladeira, andava por duas ruas e mesmo que sua perna doesse, não parava.
Pessoas velhas tem dores no corpo.
Crianças não tem dores, só quando caem.
Quando se brinca com uma criança ela esquece a dor e para de chorar.
Ninguém brinca com um idoso quando ele chora.
Dona Néia tinha uma filhinha, que cresceu e esqueceu dela.
Essa filhinha cresceu e teve um filho.
O neto de Dona Néia não esqueceu dela.
Dona Néia tem dores, mas o rosto não demonstra.
Crianças demonstram tudo que sentem.
Dona Néia conversa com as crianças pela grade.
Elas dão muita atenção e sorriem.
Os sorrisos das crianças são sinceros.
Depois daquele dia Dona Néia e as crianças conversavam todos os dias.
A ladeira não cansa mais, porque lá no auto estão as crianças.
Dona Néia leva balas, ganha beijos na bochecha através da grade.
Crianças negras, brancas, loiras, brincam juntas.
Adultos gostam de separar por cor.
Idosos entendem melhor o mundo.
Naquele dia o sol estava forte.
O sol age diferente numa criança e num idoso.
Os adultos não vêem o sol, eles tem óculos escuros, vidros fumes e cortinas.
Crianças enxergam melhor o mundo.
Dona Néia sobe a ladeira, um adulto se aproxima.
A boca do adulto se mexe, e ele diz que não é bom fazer amizades com essas crianças.
Dona Néia pergunta ao adulto porque.
Dona Néia começa a sentir dores novamente, pois quando sobe a ladeira não para mais para ver as crianças.
Eles podem se apegar e se iludir, e isso não pode acontecer, porque aqui é um orfanato, diz o homem.
Dona Néia sai, mas não tem mágoas, sabe que ele não tem mais a inocência e nem a sabedoria.
É apenas um adulto.