O monstro acordou (Especial para Carta Capital)
O monstro acordou
Se você entrasse num bar de periferia a alguns anos atras e perguntasse o que eles acham do MST ou das “invasões” como são comumente chamadas, os fregueses do bar, em sua maioria diriam que era uma pouca vergonha e alguns até desafiariam o movimento a entrar em suas casas, ironicamente um barraco de madeira de 2 metros quadrados.
De uns anos pra cá, quando se trata de qualquer movimento social, as conversas mudaram, o cidadão começou a prestar mais atenção no que anda rolando, com vários meios de comunicação agregados, como blogs, faces etc. A notícia tem vários pontos de vista, todo mundo que tem um celular é um repórter, todo mundo que digita mensagens, também pode escrever um texto com seu ponto de vista.
Já presencie cenas, que o ponto de vista de um senhor de 50 anos de idade, foi transmitido pelo seu neto que viu na internet o fato e comentou com o avô.
E quem diria que aconteceria, as conversas tão exaltadas do governo que disse que não existe mais miséria aqui, um dia seriam contestadas, não por intelectuais que conhecem de números e índices, mas sim, pelo próprio que elegeu.
Os protestos não são por um só motivo, muita gente sabe disso, mas a fragmentação do que querem é ainda maior, uns lutam por hospital, outros pela reprovação da Pec 37, e a maioria pela moralização da política brasileira.
Vamos aos fatos na crua realidade do dia-a-dia. O que adianta ter carro, se as vielas não tem passagem, se chegar em qualquer lugar virou um desafio infinito de paciência, o governo diz que somos todos pedestres, pede respeito uma ao outro, mas depois de uma hora no trânsito todo mundo vira um canalha.
São Paulo tem lindas pontes, para exibir seu congestionamento, lindos prédios para você ver enquanto caminha a pé na marginal, nossos moradores tem medo de assalto, tem alergia pela poluição, fazemos brigas de UFC ao vivo em qualquer lugar, ter ponte igual a europa não quer dizer que os postos de saúde tem sequer algodão.
É fácil se tachar e ser tachado de classe média e não poder pagar a luz de casa, não poder ter teve a cabo, pois o arroz subiu de 6 para 10 reais em meses.
A classe média engorda os protestos, pois tudo que paga privado também não funciona, os planos de saúde marcam consultas para 2 meses com especialistas, está quase no padrão SUS.
A bolha falsa do progresso estourou, a caixa de pandóra se abriu, e isso é visível quando você vê o tiozinho que é fanático por futebol dizendo que esses gastos com estádio são tiração demais, pois sua cirurgia foi remarcada para o ano que vem, e os exames só valem mais três meses.
O monstro acordou, ninguém põe mais para dormir, tudo tem um limite e nosso já chegou, eles mentem na TV, agente se liga na internet, eles falam de pesquisas, agente ouve as vozes das ruas, eles mudam de opinião agente desliga o rádio e vai pra rua ouvir algo mais contundente.
A balela em defender o patrimônio está caindo, não adianta morar bem e não poder abrir a janela.
Agora ninguém fecha mais, somos mais do que a luta por moradia, pelo direito de ir e vir, não podem nos tachar por classe social, pois todo mundo tá junto nessa. A cidade é nossa e essa briga também.
Os gritos são contra a robalheira, contra apanhar de fardado por querer levar o pão para casa, por querer vender cd’s nas ruas, chega de levar tiro por estar no bar jogando sinuca.
Todos parecem querer olhar bem na cara do sistema e dizer: - Nem sua mídia tá mais do seu lado, o cenário que eles vão encontrar aqui no ano da copa é parecido com Walking dead, pois todos nós estamos na ilha de Lost.
Quem em qualquer periferia consegue manter a família do jeito que tá? No centro das cidades quantas empresas fechando, quantos pequenos comerciantes desistindo, pois todo tipo de mercadoria vem mais barato do estrangeiro.
Tenho dezenas de exemplos de amigos que sempre trabalharam duro, e agora sem saída, estão vendendo tudo que tem, tentando correr atrás de outra possibilidade de manter sua família, mas se o progresso era tão festejado, onde ele esta?
Nas passeatas a força da multidão mandou baixarem as bandeiras de partido, os que caminham com lenço no rosto não se identificam mais com nada que tenha siglas. Suas falas são contundentes.
Estamos todos cansados, de pagar, de apanhar, de cheirar fumaça, de ser trânsito, de perder celular no farol, de ser maltratado por todo mundo que tem um uniforme, de ser convencido a ter e não a ser uma pessoal melhor.
A resposta do governo é a de sempre, bala de borracha para o aluno que nunca teve material digno na escola, gás lacrimogenio para o pai de família que não teve sequer inalação para o filho no posto de saúde, sprai de pimenta para o camelô que luta o dia todo e viu que a marmita já estava azeda.
O que todos querem? É só ler as placas, hospitais padrão FiFa, mas fazer política no brasil é ficar muitos anos sem conversar com o povo, descobrir as favelas só para pedir votos.
O povo quer alguém que ao descer as vielas saiba andar nelas, quer ver o terno cheio de poeira, o colarinho aberto, o suor na pele não tão lisa, não tão branca, quer um deles com cara de nós.
O povo não quer pedir mais nada, quer exigir, por isso foi para as ruas, que são deles, que são nossas, mas onde não mais levamos nossos filhos para brincar.
Um sonho era ver brasileiros usando a bandeira não somente para os jogos.
Talvez tenhamos um plano mesmo para gerir esse país, sem que tenhamos que mudar as cores dos uniformes das escolas a cada troca de prefeitura, um país que não mude as gestões das sub prefeituras a cada troca de vereador.
Talvez um país onde a escola particular seja igual a pública, onde o convênio e o SUS são parecidos em qualidade, onde a segurança não precise ser privada.
Ainda se tem muito para mudar, muito para exigir, e nossos motivos para protestar nunca foram tantos.
Ferréz
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