Mudança$
O Subsolo da galeria 24 de Maio é um lugar meio asfixiante, eu não consigo me acostumar, acho que me lembra os fornos das padarias que trabalhei, sempre no fundo do comércio, sempre com poucas janelas e fechadas, ou mesmo o Bob’s e suas máquinas de fritar batatas, os tosters, chapas etc.
Então fico um pouco, faço o fechamento da loja, compro uma água pra mim e pro atendente, e logo decido fechar a loja meia hora mais cedo, o menino fica alegre, eu sei o que é isso, quebrar a rotina dá uma satisfação tamanha, então saímos da galeria, conhecida como Galeria do Rock, e o andar que tem minha loja é chamado de Espaço do rap, embora hoje só tenha sobrado 4 lojas de cd’s de rap, mas pelo menos as lojas de roupa também tem a cara da cultura Hip-Hop.
Então tomamos rumos diferentes, ele vai para casa eu vou tomar um café expresso, tomei um curto e preferi não comer nada, mais pra frente vocês vão entender o porque.
Comecei a caminhada, sentido Roosevelt, um lugar meio boêmio, com mesas para fora dos bares, alguns peças em cartaz e muito vai e vem, o que sempre me chama a atenção é o prédio da esquina, que tem um tipo de minis estaca de ferro na calçada, é um ante mendigo, coisa de paulista PSDBista.
Vou para o final da rua, noto a praça sendo reformada, mas as construções estão grandes demais para ser só uma praça, dizem que é para abrigar floriculturas, vixe! negócio.
Chego no Gual, ele é o capitão do maior espaço de quadrinhos que conheço a HQ Mix, ele é o mesmo cara que junto com seu irmão Jal fez o prêmio que valoriza tanto a HQ nacional, mas isso é outra treta.
Logo na porta eu vejo sua grande companheira, a Dani, o cigarro na mão, legal ver ela porque a algumas semanas quando fui lá, a Dani disse que o cara dono do prédio não quis renovar o contrato, queria mais de 200% de aumento, e tudo porque do lado montaram um salão pra madames, e cobraram um puta valor, agente que compra gibi não consegue ralar com a beleza então tá tudo assim meio no risco.
Logo que dei um abraço nela minha alegria se foi, vi as caixas e perdi a postura, muchei feio, todo mundo que tava na porta notou, mas eu explico, eu também tenho comércio, e sei o duro que é cativar os clientes, fazer os amigos em volta, construir todo um pensamento, e a HQ mix tem muita a ver com a 1dasul, pois agente fez toda uma ideologia em volta, a livraria do Gual é cheia de visitas ilustres, grandes desenhistas frequentam o espaço e o público tem chance de ficar nessa convivência, agente vai chegando e logo é apresentado a alguém que tem um blog, que te apresenta a alguém que tem uma coleção de gibis nacionais, que por sua vez lhe apresenta alguém que coleciona programas de rádio. Várias madrugadas eu já passei por lá, sempre com muito papo sobre qual revista é a melhor da semana, que editora apostou mais nas HQs esse ano, e por ai vai.
Só na HQ Mix, tem um espaço todo dedicado para os fanzines e revistas nacionais, foi lá que durante anos encontrei grandes histórias escritas e desenhadas por Pernambucanos, Baianos, Sergipanos, Mineiros, com esse espaço você consegue ter todo um enriquecimento nacional, gente que nunca seria acessível se não fosse por esse espaço.
Foi na HQ Mix, que olhando os quadrinhos fui abordado por nada menos que o Thaide e cheguei a indicar 2 revistas para ele antes de ele me reconhecer, uma coisa muito engraçada mesmo.
Bom, voltando aos tempos modernos, tudo tava encaixotado, a Dani foi lá pra dentro e gritou.
Gual! o Ferréz tá aqui!
Ele desceu e me deu aquele forte abraço, e começamos a conversar.
Dava para ver que ele estava animado por um lado, pois vai para o Pacaembú, num lugar em frente a FAAP, nova casa, nova espaço, mas também dava para sentir que era muito triste sair, como disse eu também tenho comércio e a coisa mais triste é fechar as portas, a alguns anos, quando vi que a obra do Metrô não ia pra frente e estava acabando com todo o movimento em Santo Amaro, na galeria Borba Gato, decidi que era hora de fechar, primeiro fiz toda a contabilidade e realmente quando chegou nos 60% de queda, nem funcionário dava mais para pagar, então eu mesmo fui trabalhar na loja, fiquei nisso por 3 meses e não deu mais, hoje não consigo nem olhar para a nova loja que está no lugar de onde antes era minha loja, então sei como dói, como é foda mesmo passar por isso.
Tentei segurar mas despistei um pouco e fui prum cantinho, onde algumas lágrimas caíram, revi ali naquelas caixas todos as madrugadas que passei, os sorrisos que dei, as conversas, e senti um orgulho também por ter feito parte dessa história, já que na perifa escritor é tão sozinho para falar desses assuntos.
Revi as minhas idas lá com meu parceiro Ricardo Sêco, que sempre dizia que não ia comprar nada, mas sempre comprava, ou mesmo as vezes que fui levar livros da Selo Povo pra lá com o Marcelo Martorelli, os amigos da quebrada que cheguei a arrastar para lá, como o Maurício o Ronaldo e o Cebola.
Nessa nossa última conversa ali na Roosevet, eu eu Gual falamos dessa higienização que o sistema faz questão de promover, falamos do afastamento social que sem tem hoje, onde a figura do tiozinho do bar, do tiozinho do cabelereiro vai sendo trocado pelo atendimento padrão, impessoal e rápido.
O afastamento daquilo que mais nos deixa com a sensação de que estamos de fato vivos, o convívio com o outro.
Hoje, olhando pra algumas revistas que aqui na minha casa me fazem companhia, escutando meus discos também comprados ainda por uma atendimento tão pessoal, por um atendente que foi ficando amigo no decorrer desses tempos idos, igual ao Gual, a Dani, o Floreano, que me deram uma casa longe do Capão, que me fizeram companhia durante aqueles sábados solitários, onde um escritor saia do extremo da Zona Sul para ir buscar não só revistas, mas poder exercer a amizade, conversar e dar risada, e depois poder comer um bom prato de comida no restaurante da esquina (entendeu porque eu só tomei o café aquela hora?), que por enquanto ainda está lá, por enquanto, pois em breve do jeito que anda, uma rede de fast food logo entra em seu espaço.
Quem perde é a Roosevelt também, que fica menos cultural, menos alegre, menos aconchegante.
A luta continua, todos querem uma cidade que cresça, mas que não esqueçam o principal, o convívio com o seu igual.
Para a HQ Mix, o que posso fazer, o que sei fazer é continuar indo lá encher o saco, esteja ela onde ela estiver, mas também posso escrever um texto, que é a única coisa que acho que sei fazer, assim, escrever bem pessoal, com carinho, com detalhe, para que alguém leia e saiba, que enquanto existir gente boa, a luta continua.
E existe.
Viva a nona arte.
15 de janeiro de 2012.
6 comentários:
Texto foda! Importante relato não apenas sobre regiões de São Paulo, mas de uma cultura viva permanecente na cidade!
Salve Ferréz!!!
É natural termos uma certa resistência para absorver mudanças, existem algumas que são para melhor, mas tem outras que realmente são fodas.
Estamos cada vez mais perdendo o contato com as pessoas, os abraços e os apertos de mão, hora tão fraternos, estão cada vez mais sendo substituídos pelos scraps, sms´s e mensagens pelo sites, blog´s e etc. (assim como este vos faz agora, é paradoxo, né não, nêgo!?)
E assim a vida segue, são os efeitos colaterais do progresso opressor... só nos resta resistir!!!
Grande abraço.
Paulo Brazil.
Olha Onde a Favela Chegou.
Orra mano fiquei frustrado e lembrei de tanta coisa principalmente os lugares como vc diz onde exerciamos a amizade como isso faz falta...
Seu texto foi de arrepiar.
A HQMIX na Roosevelt era meu porto seguro para os lançamentos da Katita mas ...bola pra frente.
O Gualberto e a Dani são pessoas especiais.
Os amigos irão onde eles estiverem e novos clientes serão conquistados.
Grande abraço.
abraco meu velho,estamos aqui pro que der e vier.
Ferrez,meu velho,grande abraco e estamos aqui,pro que der e vier.
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