Blog do escritor Ferréz

Sarau da Coopermusp uma noite mágica

Aceitando o convite de Marcos Teles e do Vagnão, formos para o Sarau da Coopermusp no Jardim São Bento, brigando com os bares e com o barulho do funk a literatura invadiu o Jardim São Bento e fez muito barulho.
De quebra lançamento do livro azul da Selo Povo e leitura do meu novo livro: Deus foi almoçar.

Na minha vez de falar trechos do novo livro Deus foi almoçar e alguns textos do projeto PalavrArmas, contei um pouco da caminhada que tenho na literatura, de quando fazia fanzine e vendia em Santo Amaro, de quando o único espaço que tínhamos eram em shows de rap ou palanques de algum político quando vinha na quebrada, ou liamos um texto rapidinho nas antigas sedes de bairro, hoje temos nosso próprio espaço, falei também da importância dos saraus e de quanta sorte tem aqueles meninos que naquela noite ouviram um cantor lírio, um grupo de samba da velha guarda, vários rappers e de quebra ainda leitura de textos, quem diria que não teríamos que ir ao teatro municipal nem em nenhum sesc para ter esses momentos.

A imagem mais linda da noite, Marcos Teles lendo o livro Sob o Azul do Céu e um menino folheando, se a Selo Povo fosse resumida numa foto seria essa.

A Coopermusp foi recebendo moradores e convidados para seu sarau.

Vários manos do rap foram chegando, Versão Popular, NSN e Cientistas.

Várias gerações formavam o público do sarau.

Abaixo vai o texto Louco Urbano que li no Sarau e faz parte do livro PalavrArmas que sai no início de 2012

O Louco Urbano

Escritor de histórias tristes, que se esconde nas virgulas da vida.
Fazendo protesto em meio ao consumo desnecessário de hoje em dia.
Louco falando de literatura na favela em tempos de crack e farinha.
O psicótico de uma nova era.
O ponto no final da história não para a dor psíquica, de quem sonhou em ter um dia.
Perambulando num vale, onde ninguém tem mais comprometimento.
Onde o ter é mais importante que o ser a muito tempo.
Preconceito é a forma que te olham, quem o culpa por utilizar gírias e linguagem diferente, só sabe quanto vale um ser humano, somando sofrimento mais desespero de ser útil na capital que esmaga sonho em prol de ser auto suficiente.
Entre casas sem acabamento as frases sobem as esquinas e descem pelos esgotos onde parágrafos não sobem a rua de terra e muito menos estimula quem com o crack já tá morto.
Fazer o que né, tantas palestras, livros, em dúvida com você mesmo.
Acordar olhando a favela e imaginar viver uma vida diferente.
Sem muita perspectiva em ter em demasia, só queria uma rua melhor, talvez uma calçada para andar com a filha.
Mas o ser humano constrói inferno para conviver com a presença do capeta, a base de polícia rouba uma faixa de trânsito para mostrar que tem carro apreendido, o supermercado muda outra faixa para facilitar sua descarga de produtos.
O pais é moldado por quem pode pagar a coxinha para o policial, por quem oferece um bico e diz quem deve morrer por ter roubado um pacote de bolacha.
Grande sistema podre que todos nutrem para ganhar mais um dia de vida, com direito a acordar de madrugada, pegar trânsito, trabalhar por migalha até o fim da lida.
Combatendo as crianças que fingem estar aprendendo numa escola que finge ensinar, um pai finge trabalhar, uma sociedade finge ir para algum lugar.
Em meio ao caos anotar, para depois lembrar, que mesmo em meio a tiros da para se falar que o futuro está em algum lugar.
Perdido no olhar da menina de 12 dançando funk e estimulando, o menino de 15 que com baforadas perdido no lança perfume vai o olhar fixando, um carro melhor, um campo para jogar bola, trocado por um baseado e uma pistola.
Poucos dignos, poucos autênticos, poucos estão para mudar, alguns querem falar, ser filmado não quer dizer divulgar.
Falar com a mídia sem conteúdo não é fazer revolução, dizer por dizer não é somar para uma guerra onde já acordamos na contenção.
literatura vilã, oprimida, estigmatizada, quando escrita já é predisposta a narrar desgraça.
A inspiração de um povo com chip não faz a narração ser alegre, tinta dos dedos e olhar triste é o que o poeta consegue.
Escrita sobre as ruínas de uma mudança que nunca virá, porque tanto markenting fez o menino de periferia não saber mais o que precisa de fato comprar.
O abraço em sua mãe não tem preço e não pode ser parcelado pelo credicard, mas o celular ia fazer seu pai talvez te recompensar, te ligando um dia para dizer que sempre vai te amar. Mas na verdade quando o aparelho toca, quando atende como muitos você fala, essa buceta não para de tocar, deve ser o filha da puta para pedir algo, ou alguém para me infernizar.
Onde todo mundo está acomodado, a caneca do escritor no papel não faz barulho, não solta tinta, não tem palavra inspiradora que suporte a sua leitura sem compreensão, o mano com a leitura não vê futuro.
O revoltado luta por melhoria mas é o maior culpado, não consegue mover uma palha, pois o plano foi bem montado.
É como acordar sozinho, olhar em volta, e tentar convencer, quem também olha em volta e nada vê.
Não dá mesmo para entender, melhor seria ser mais um cego e risonho?
A evolução aqui é barraco de madeira virar barraco de tijolo baiano.
Enquanto empresário compra fazenda, banco, prédio e bancadas inteiras.
A mesma dona Maria luta com a pensão que não é reajustada a vida inteira.
Mesmo com tanta calmaria, a idéia aqui não vai evaporar com calor de modinha.
Três mil caracteres de ideologia na mente, dois toques por segundo parece suficiente.
Aquele que nunca sentiu sua dor real, que nunca teve que passar assim tão mal.
Não tem fortaleza que sobreviva quando perde no debate.
Neuroses e vícios enfraquecem o que foi um dia um homem de verdade.
Se nossa guerra não é mais santa, é contra o chip que implantaram em anos de alienação.
Na literatura vilã, acordar você hoje para não ser escravizado amanhã
E quem vai julgar, quem nunca passou nem um por cento da dificuldade.
Quem fumava maconha pelos jardins da faculdade? Aquela que é paga pelo imposto do seu pai pedreiro, fazendo a única coisa que sabe, suor por dinheiro.
O louco urbano aqui é traiçoeiro, não quer com a escrita poder dormir tranquilo no travesseiro.
Quer infernizar com a informação e deixar bem claro.
Que devemos ser mais que dígitos, mais que números, mais que contas
Até quando representamos só o lado explorado.
A mim você seca mais não vê de quatro, maldito sistema financeiro desgraçado.

Ferréz

Um comentário:

Ricardo Batis disse...

Parabéns pelo texto, muito bom, realmente expressa aquilo tudo que eu gostaria de dizer, mas não sou tão habilidoso com as palavras como você. Parabéns! Ah eu sou o Ricardo quem tocou violão no sarau.
Se possível confira meu blog, lá eu posto algumas letras e a ultimo post foi minha primeira poesia inspirada pelos saraus da vida.