Blog do escritor Ferréz

Entrevista para o site Canto dos Livros


Literatura Marginal – uma entrevista com Ferréz
por Rodrigo Casarin

Muito provavelmente o principal nome da Literatura Marginal na atualidade, o paulistano Ferréz tem São Paulo como o seu principal cenário. A cidade também é sua musa inspiradora. Estreou na literatura em 1997 com Fortaleza da Desilusão, mas ganhou projeção com o seu segundo livro, o aclamado Capão Pecado, que o colocou na pauta de conversas e debates literários. Desde então, também publicou Manual prático do ódio, o livro infantil Amanhecer Esmeralda e Ninguém é inocente em São Paulo, de contos. Suas obras já foram traduzidas na Itália, Alemanha, Portugal, Espanha e Estados Unidos. Além da Literatura, Ferréz ainda possui uma marca de roupas (a 1DASUL) e já fez trabalhos para o cinema e a televisão. Mas a sua carreira de escritor, claro, foi o assunto de nossa conversa.

Canto dos Livros: Constantemente você é definido como romancista, contista e poeta. Por qual desses meios você começou a escrever? Como derivou para os demais? Qual deles prefere? Por quê?

Ferréz: Comecei por contos, acho, pois fazia redações imensas, mas depois fui para a poesia. Meu primeiro livro Fortaleza da desilusão é de poesia, foi lançado em 97. Eu me considero romancista, gosto de histórias longas, mas também faço muitos contos.

CL: Na sua opinião, o que é a Literatura Marginal?

F: A literatura que representa até quem nunca vai lê-la, a voz dos sem voz.

CL: Como a literatura ajuda a “salvar” as pessoas da periferia?

F: No dia-a-dia, a literatura deixa você crítico, ajuda nas escolhas, na postura, melhora a estima, mostra como se impor na sociedade, ainda mais numa sociedade de fantoches.

CL: Muitas vezes quem é de algum movimento marginal e começa a fazer sucesso passa a ser visto como um traidor do movimento. Isso aconteceu ou acontece com você?

F: Ainda não, pois faço um trabalho de base forte, palestras em escolas públicas, ONGs, fundação casa, presídios e onde a literatura couber. Não falo para ricos nos eventos. Na verdade faço muitos eventos em comunidades, então quando pinta algo mais elitizado ninguém me enche o saco, pois me vêem em outras paradas.

CL: Como funciona essa espécie de mercado independente que há da Literatura Marginal?

F: Funciona com muita engenhosidade e com muita alegria, apesar do corre que é levar livro em mochila, ir de busão para evento e tal. Mas quando o livro vai para a mão de quem tem que ir, desde um sarau, onde você alcança o público direto, até show, onde o público é feito um a um na hora da saída. Quem tem força para esse trampo recebe muitos sorrisos e o melhor, lida com o seu público.

CL: Por que há tanta diferenciação da Literatura Marginal para a Literatura em si? Se a Literatura Marginal é Literatura ela realmente precisa vir acompanhada de Marginal? Isso não acaba gerando uma espécie de segregação do tipo “Literatura é para e feita por uma parte da população”, enquanto “Literatura Marginal é para e feita por outra parte”?

F: Não acho, essa literatura ai sempre teve outros nomes, mas a periferia nunca foi definida nem inserida nesses nomes, não somos a geração 90, nem os da praça tal, nem contemporâneos. Tem gente que fala que nem literatura somos. Então no meu caso isso serve para dizer que temos uma identidade e somos muitos, mas nome é nome, a forma é mais importante no final, se não tiver qualidade não é nada, então batemos na tecla de saber o que estamos fazendo, ter estilo e tal.

CL: Como você pensa a estrutura e a forma dos seus livros?

F: Primeiro me vem o título, ai faço um mini conto, como se fosse uma escaleta, e depois ele vai engordando, escrevo tão fragmentado que leva mais tempo montando o quebra cabeça que criando, cada papel na rua vira um trecho, um pensamento de personagem, uma ação. Na verdade, até hoje to tentando entender como escrevo, pois é confuso até pra mim.

CL: Qual a sensação de ver os seus livros sendo traduzidos para diversas outras línguas? A que você atribui esse interesse do público do exterior?

F: Acho bom. Pra mim foi vitória, pois diz muito que não importa minha história de vida, o que importa é o texto. Gringo não liga pra isso, liga pra qualidade das histórias, para a viagem que o livro proporciona. Ele não compra de emocionado, ele compra pelo conteúdo, e isso dá satisfação. Mas na verdade, tenho um sonho de alcançar mais meu país, que é muito grande e fica difícil a literatura chegar em vários lugares.

CL: Numa leitura de seus dois primeiros livros, Capão Pecado e Manual Prático do Ódio, é possível verificar uma sensível mudança estilística de um para outro. Arriscamos dizer que o 1º parece ter sido escrito sem grandes pretensões, para um público específico, enquanto no 2º, até catapultado pelo sucesso estrondoso do antecessor, tudo parece adquirir maior escala e maior esmero. O que acha disso?

F: Foi cobrança em cima de cobrança, então eu tinha que fazer algo mais trabalhado, até porque agora eu tinha leitores, coisa que antes não, e críticas também. Através dessas criticas eu procurei melhorar o trabalho, coisa que estou fazendo nesse novo romance, o terceiro que vou publicar, depois do Capão e do Manual ficou um buraco, que é esse livro novo que estou terminando.

CL: Há pouco tempo, aconteceu uma polêmica envolvendo Capão Pecado, do qual extraíram excertos para uso em sala de aula, e que foram criticados pelo conteúdo erótico. Como você reagiu a isso?

F: Na verdade eu não ligo, mas cada um pensa o que quer. Um país que mata criança por falta de hospital, que mata idoso por falta de acesso a remédio, vem com hipocrisia por palavrão. Um país que obriga os travestis a se prostituírem, pois não dá entrada no mercado de trabalho, vem criticar cena de sexo? Hipocrisia.

CL: Na esteira da pergunta anterior, você se sente amarrado a escrever livros e textos presos ao estilo e temática de Capão Pecado?

F: Não. Quem ler o Ninguém é inocente em São Paulo já vê alguns contos de ficção total, e fora do tema de periferia. Esse livro novo não tem nada de periferia, o tema eu já moro nele, não preciso carregá-lo.

CL: Usar uma variante liguística diferente da que é usada normalmente na literatura convencional já te trouxe algum problema? Como sua escrita é vista por acadêmicos e catedráticos? Ainda que eles não sejam seu público alvo, alguma vez isso te preocupou?

F: Trouxe vários, discussões com editores, que dizem que sou teimoso, que a linguagem que trago é difícil, mas pra quem é daqui não é difícil, então eu bato na tecla. Os estudiosos não me preocupam, eu respeito que eles estudem isso e tal, mas meu trabalho é escrever e não debater o que escrevo. Isso nunca me preocupou. A rua me preocupa.

CL: Você chegou a ser apelidado de “o romancista da traição”. Por quê? Como recebeu o apelido, acha que procede?

F: Recebi em várias palestras em faculdades, de professores de literatura. Segundo eles o tema traição é recorrente nas minhas obras, parei para pensar e comecei a notar que é verdade, desde letra de rap, como a Judas, que escrevi até o Capão, Manual, Ninguém, tudo tem traição. E no novo, por incrível que pareça, também, mas quem trai nesse novo é o tempo.

CL: Quais autores e obras você acha fundamentais para uma boa formação cultural?

F: Vixi, vou dizer o que serviu pra mim: Hermann Hesse, Bukowski, Fante, Tchekhov, Flaubert, João Antônio e Plínio Marcos.

CL: O que você acha da literatura feita no Brasil hoje? E no mundo? O que você destacaria como muito bom e como muito ruim?

F: É deselegante falar assim, quem é ruim ou bom, pois cada um tem um ponto de vista, e o que é ruim pra mim pode ser o início de leitura para alguém, mas não gosto dessa literatura metida à moderna, que você não consegue nem assistir a entrevista do cara de tão chata, pois o autor diz que sua obra é isso, que sua obra é aquilo e depois vai ler o texto e é ruim demais. Tem uns caras novos que tão escrevendo que parece tudo novela da Globo, só muda que fica mais floreado. Mas tem muita coisa boa, estou lendo muitos autores de Minas Gerais, inclusive mulheres, como a Cidinha da Silva, e estou apaixonado pelo estilo e verdade deles.

CL: Quando sai o seu próximo livro? O que podemos esperar dele?

F: Sai esse ano, chama-se Deus foi almoçar, um romance que escrevo há sete anos. É um romance psicológico, de um personagem de meia idade chamado Calixto, que enfrenta uma separação traumática e uma vida totalmente programada. E ele tenta sair disso.
Publicado em Entrevista | Tagged Amanhecer Esmeralda, Capão pecado, Ferréz, Fortaleza da Desilusão, Literatura, literatura marginal, Manual prático do ódio, Ninguém é inocente em São Paulo, São Paulo | Deixe um comentário

2 comentários:

GUERRILHA DCI disse...

Muito boa a entrevista, simples e direta. Agora só estou aguardando o novo romance...

ZéSarmento disse...

Bom Ferréz, é isso aí, vamos de romance.Não que eu ache que poesia e conto seja literatura menor, mas é muito bom se ir de cabo a rabo percorrendo os caminhos de personagens insatisfeitos, ébrios de paixão, impotentes perante a sociedade de consumo, etc...
Abç.