Blog do escritor Ferréz

Grande Rolê

Grande Rolê (texto feito para revista da Folha nesse domingo)

Foi no banquinho de madeira em frente ao córrego, que nós quatro decidimos, íamos nos dividir em dois grupos, cada grupo ia pegar um carrinho de ferro-velho, a missão era catar tudo. Papelão, garrafa velha, ferro, alumínio.
Umas quatro horas depois, já tínhamos o necessário para ir ao nosso rolê preferido.
Entramos no ônibus, agora estávamos vendo as casas velhas de madeira ficando para trás e em breve os edifícios apareceriam.
Depois de passar por baixo da catraca, puxamos as moedas do bolso e começamos a contar sobre o olhar furioso do cobrador, que para nós era um tramendo otário, já que não era sócio da empresa.
Uma hora e meia depois descemos, e agora não teria mais desculpas, tudo estava ali, como todos os comerciantes da favela falavam. “Só no centro pra encontrar isso”.
Os prédios agente conseguia olhar até o quinto, sexto andar, depois o sol fazia a vista doer, um monte de mendigo na rua, na nossa favela num era assim, mendigo tinha casa.
Mas isso só aumentava a idéia que o centro da cidade era uma grande casa, que abrigava todas essas pessoas, e a nós também, que quando tínhamos dinheiro até podíamos valer algo.
Passamos pelo famoso viaduto do chá, aquele monte de gente, paramos na banca e ficamos olhando, muita revista pra poucos cruzeiros, e agente tentava enxergar as que ficavam na parte de cima, onde tinha as donas gostosas, mas éramos sempre interrompidos, pelo dono da banca.
O Willian já ia respondendo que ali ninguém era trombadinha não, e agente mostrava o dedo pro dono e saia correndo.
Fomos para o nosso grande destino, estava rodeado de gente com pressa, demos o dinheiro, como sempre fazíamos e ele montou pra nós, o meu sem catchup, os demais eram todos completos.
Comemos o cachorro quente e completamos a missão.
Alguns anos se passaram, a periferia engoliu os meus amigos.
Fui trabalhar numa mercearia, fiz amizade com um menino chamado Alexandre e num dia de folga fomos para o centro.
Chegamos à galeria do rock e começamos a ver os discos, nosso destino sempre era o mesmo, loja Baratos Afins, foi lá que achei o primeiro disco do Kiss, onde também encontrei o Slade e onde completei minha coleção do Creedence.
Depois era colar no sebo do Messias, ver os livros de ufologia, mexer em tudo e terminar no Mac Donalds, ai era um luxo. Chegar à quebrada e dizer que comemos no Mac era muita marra.
O Alexandre uma vez me fez descer no subsolo da galeria, onde só tinha rap, eu não entendia como alguém ia comprar música falando da favela, eu odiava viver daquele jeito, como ia escutar sobre aquilo?
Mal sabia eu, que nos próximos anos, continuaria indo ao centro da cidade e além dos livros eu iria tanto comprar, como vender discos de rap.
Ah! E o cachorro quente ainda continua no cardápio.

Ferréz é escritor, autor de 5 livros.
www.ferrez.blogspot.com

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