Blog do escritor Ferréz

A quermesse (Ferréz)

A Quermesse

O espírito está calma, pelo menos referente aos tumultos em São Paulo.
Os politicamente corretos falam de atentados, de monstros, de marginais.
Eu me refiro como guerreiros, já que só fizeram o máximo dentro de um sistema alternativo de vida.
Criaram o próprio sistema, já que o atual só os abandonou, marginalizou, os tirou da chance real de vencer.
Tem 4 manos na portaria, comprimento, entro com minha esposa, passo pela lona branca pendurada por um arame, horas antes colocado.
Apenas uma lona e já estamos na quermesse.
Barracas de doces, salgados, mas a maioria é de batida, que com certeza é o que de longe mais vende.
O meu povo vai e vem, ali sou mais um, to em casa.
Toucas, bonés, jaquetas, mais a frente tem o palco, feito de madeira, com um globo em cima e várias caixas do lado, um rapaz anima a festa, é um locutor da rádio comunitária.
Outro fica virando os discos, que geralmente ele paga acima de R$ 80,00, e o valor é recompensando com as pessoas agitando com a música, quebrando o frio de Sampa.
Na estrada da dor, a curva da alegria é aquela quermesse, que deixou barracos e problemas para traz, para por algumas horas, entre uma batida, uma cerveja ou talvez um baseado a felicidade se apresente por alguns minutos.
Daqui a pouco o grupo da noite vai se apresentar, o nome de hoje é A família.
Formado por Dj Bira, Gato Preto, Denis Preto Realista e pelo Crônica.
O grupo arruma os equipamentos, enquanto agente bebe uma batida de champanhe com abacaxi.
Ali daqui a alguns minutos vai rolar a ideologia, as músicas vão ser cantadas com força, alguns braços vão subir, algumas pessoas vão entender outras somente curtir as bases.
Denis no meio do show pede palmas mais forte, segundo ele se nem palmas dá pra bater, imagina levantar a enxada.
O grupo é a prova de que o rap jamais se rende, em baixo, na pista, manos e minas passam a todo momento, muitos alcoolizados, outros simplesmente cansados.
Recebo abraços, agradecimentos, vários dizem que fui o único que teve coragem de falar dos gambés, da matança que eles tão fazendo, (fazendo referência a minha denúncia na Carta Maior) eu digo que é no mínimo minha obrigação.
Tudo começou por acaso, um texto que fiz para a Caros Amigos, só que antes fiz outro no meu blog e antes da matéria sair, eu dei algumas entrevistas e bum! publicado até na primeira página do UOL.
De lá pra cá, Folha, Diário, Brasil de Fato.
E o que tinha que acontecer aconteceu, começou a entrar policiais no blog e as ameaças eram inevitáveis, agora em algum interior de Sampa eu escrevo essas palavras, com saudade da quermesse que não vou poder colar tão sedo.
Com saudade da função, dos abraços sinceros, mas é o preço né tio, esse é o preço de mexer com os caras que sempre se dizem o certo.
Nunca defendi matança de ser humano, nem de um lado nem de outro, todo mundo tem mãe, tem pai, só que a fita é que quem ta morrendo agora é gente inocente e pior, porque o estado já fez o acordo, e os gambés parecem que não incluíram nosso povo nessa trégua.
Nossa extinção seria bem melhor para eles, não basta terem os jornais, a tv, mas agente ainda incomoda, um grito as vezes é ouvido.
O nosso povo ta andando de cabeça baixa, com medo do olhar do gambé, pagando com a vida por uma guerra que ele nem sabe quem criou.
Acuado de todos os jeitos, os olhares felizes quando o grupo sobe ao palco, depois se dispersa, eu sai com a multidão, agente caminha paralelo ao córrego, paralelo ao sistema, paralelo a tudo que não temos acesso, nem por isso não vamos levantar cedo no outro dia.
Não somos descartáveis como eles queriam, os ditos criminosos pararam Sampa, esvaziaram a Paulista, e nessa hora não interessava dinheiro, cor, status, era só sobrevivência, rico tremeu, assim como nós, com a única diferença que agente já vive assim a muitos anos.
Não devemos criminalizar o gueto, afinal os ladrões estão do outro lado da ponte.
Quantas cápsulas de balas você já achou na sua porta? Quantas vezes já limpou vidros dos carros com rodinho no farol.
O sonho aqui é a provisória do marido, não apanhar do pm que te chama de lixo.
Trabalhador não tem participação no lucro do tráfico, mas na hora do barraco ser invadido, sua porta não diz isso.
No bar, um senhor com os cabelos grisalhos e com a carteira de trabalho cheia de carimbos, toma um copo de pinga e acompanha a guerra, que ele viu nascer.
O que chuta a porta que facilmente quebra em vez de abrir, fez um concurso, passou e agora se acha melhor que os outros, tem PM no braço que facilmente podia ser Policia que Massacra.
Nenhum filme de terror supera a realidade do gueto nesse momento, quando você tromba um policia civil portando uma uzi e usando toca ninja.
Deus aperta logo o botão e manda tudo pro auto.
De repente, você só queria ver todos mortos, fechar a cela e por fogo, mas todo dia nasce mais um, e sem oportunidade aparecem outras faces, e outros tipos de emprego.
Quando ando na rua só vejo defuntos olhando pra mim, e sei que ao olhar no espelho não vou ver algo diferente.
Você já viu alguém dispensando um cadáver, já viu algum carro da pm vazando sangue, já viu um ser humano com face de capeta?
A campanha da TV só me mostra o que eu não posso ter, sei que o boy usa droga mas ele não teve que assinar o artigo que eu assinei em baixo de tapas por ter fumado um baseado.
Olhei carros o dia todo, e se viciado é criminoso ta todo mundo perdido, tarja preta, whiski, cigarro, cada um com sua droga.
Criei uma saída de emergência para não enlouquecer, fico vendo séries, filmes, me enterro nos livros, como, bêbado me afogo na cultura, e nunca, nunca leio nada sobre o tema que vivo, já vivo nele não preciso estuda-lo.
Vejo a cohab feita para agente não ficar no centro, vejo os barracos de quem põe o rango na mesa do rico, longe da escola de ator, longe de qualquer chance real de sucesso.
Mas de longe olhando para a riqueza atraz da cerca elétrica, vendo o terror de quem tem e não pode curtir.
Sem inglês, sem noção de informática, sem chance de aparecer na revista caras.
Talvez um ou dois reais sobrando no bolso, olhando na banca de jornal e não achando ninguém que se parece comigo, todos são melhores, eu o lixo.
Jesus foi para a cruz, e os pecados não param.
Mas tem esperança sim, tem mudança sim, em cada nova rima, em cada nova quermesse, em cada atitude daquele mano que compra a caixa a prestação, para ver seu grupo de rap preferido cantar na quebrada.
Tem que dar mais valor a esses manos, que mantém a cultura viva, e em tempos de “crise” falam sempre que o rap é compromisso.
Vai moda, vem moda, estamos ai, a cultura floresce, seja em livros lançados no gueto, seja em shows com as mãos pra cima, um all star no pé, uma calça larga, um livro na cabeça e um novo amanhecer.
Eu tenho fé moro mano, eu tenho muita fé, e vejo resultados, até a próxima quermesse.

Ferréz

2 comentários:

Turu curitiba disse...

Sem prepequetiva, sem rumo as vezes se fé, absorvendo tudo de ruim que o mundaõ da, sistema embraquissado, musica se embraquissando, tudo que negativo e ruim vai pro preto,favelado; subemprego,subcultura,sub(ri)vivencia. o negocio e viver do que temos, assalto, fé numa fita boa, se tornar martirs do dinheiro.? cada um com seu cada um, se a felicidade estiver na porra do banco do brasil eu vou buscar por que foi a unica opção de sobrevivencia... abraços qualquer a gente se vê no datena.

edugmg disse...

E aí Ferrez:
Aqui é o Eduardo que colou lá na barraca do Saldanha no literatura marginal 2 e leu um texto falando do Kassab e do Renan Calheiros, p variar vou citar Faccao Central cd Versos Sangrentos " pode ligar, pode ameaçar, enquanto a tampa do caixao nao fechar, minha voz tá no ar, a boca só se cala quando o tiro acerta", enquanto isso ve se os ditos policiais prendem Renan Calheiros, Maluf, Quercia, pra esses eles batem continencia e dao proteção. Tamo junto, um abraço Eduardo Godoy