Realidade perversa (texto feito para o relatório da O.N.U)
Pretensão de ter algum respeito, pelo menos na viela onde você mora. Pra isso alguns viram policiais, outros bandidos, e outros preferem a vida mais difícil, a honesta.
Levantar as quatro da madrugada, e lutar o dia inteiro, fritando filé mignon pros outros e sem ter um ovo para dar aos filhos, cuidando da segurança da elite e sem ter segurança no próprio bairro, o povo enche o transporte coletivo, e só volta pra periferia a noite, onde não tem paciência nem para ver o caderno do filho.
A sensação é de desespero, quando chega o fim do mês e você não tem dinheiro para manter a dignidade.
Só queria ter isso, só queria ter aquilo, ter de tudo pra não dar mais tanto valor apenas no pão com manteiga.
No corpo cansado é visível o desgosto, o olhar perdido ao longe, o desemprego é o assunto da maioria, a falta de dinheiro já é rotina.
Policiais petulantes passeiam gastando a gasolina do estado, com arma na mão apavora o mais humilde, da estiletada na cara, rasga a barriga do menor, que não soube dizer porque estava naquele horário na rua, talvez tivesse vergonha de dizer que está ali porque seu pai chega bêbado e o espanca toda noite.
O tráfico continua, o homicida continua, pois a justiça aqui tem um preço.
Pode vim a civil, pode vim a rota, rajada, rajada mesmo só se não tiver idéia, porque o resto o dinheiro compra.
Qual o lado real dessa guerra? O das reportagens policias numa TV que aliena mais o povo, ou o desfile do ladrão de carro importado e ouro no pulso, que com sua aparência convence o menino que a escola não é o caminho?
A cultura criminal já se apossou das nossas vidas, difícil é falar de amigos sem dizer a palavra finado na frente, difícil não falar de cadeia, de briga, de pistola.
O que plantaram pra gente? Desesperança, o que vão colher? Uma geração inteira de psicopata que no começo da vida não teve outro caminho a seguir. Sendo empurrado como um boi para o matadouro.
A escola é quatro horas, a vida é vinte e quatro, o pai não cria o filho, a rua sim, a elite financia a miséria e no final todos se trombam na guerra ai fora.
É muita treta, morar num lugar que ninguém se respeita, onde os ratos desfilam pelas ruas, onde seu filho brinca com a água do córrego, e no final querer competir no mercado de trabalho com o filho da elite que fez inglês desde os cinco anos de idade.
O que estamos plantando para nossos filhos aqui? Não temos nem a consciência de uma cultura, não temos nem como contar nosso passado, então como olhar o futuro?
A vida é um retorno ao grande nada aqui na zona sul de São Paulo a vida é uma grande piada, embora agente quase nunca de risada dela.
Assim como todas as periferias de São Paulo e do Brasil em geral, as leis são outras.
Homens nervosos, com armas na mão, que nunca olham no olho da população, despreparados e desorientados, quantos eu já vi com o sintoma da droga, cheirados até ficar mordendo, aquela arma engatilhada, apontada para um suspeito que no máximo deve ter 12 anos de idade.
Uma coisa gera a outra, e o campo de concentração moderno não tem diversão, é paranóia o tempo todo, ficar sentado na frente do bar, fumar um cigarro, e quando tiver mais idade ir para o baseado e dali para a farinha.
O traficante distribui a droga que a televisão já vendeu a muito tempo, convencendo durante anos que por mais que agente se esforce nunca vai ser como eles.
Eu no meu pequeno mundo não julgo ninguém, porque sei como é duro viver como um zé ninguém, e tantos optaram por viver como rei pelo menos até os vinte anos, vida de ladrão não dá aposentadoria, mas a rapper já fala, quando o filho chora de fome, moral não vai ajudar.
A periferia não é um bloco, somos vivos, somos diferentes, e no fundo temos o mesmo sonho, um futuro melhor, sem covardia, sem drogas, sem sofrimento e sem mortes.
Mas o homem prostituiu tudo e hoje felicidade não é gratuita.
Ferréz, 29 anos, é morador do jardim Amália (Capão Redondo, zona sul – SP) autor dos livros Capão Pecado, Manual prático do ódio e Amanhecer Esmeralda e Ninguém é inocente em São Paulo (objetiva).
Pretensão de ter algum respeito, pelo menos na viela onde você mora. Pra isso alguns viram policiais, outros bandidos, e outros preferem a vida mais difícil, a honesta.
Levantar as quatro da madrugada, e lutar o dia inteiro, fritando filé mignon pros outros e sem ter um ovo para dar aos filhos, cuidando da segurança da elite e sem ter segurança no próprio bairro, o povo enche o transporte coletivo, e só volta pra periferia a noite, onde não tem paciência nem para ver o caderno do filho.
A sensação é de desespero, quando chega o fim do mês e você não tem dinheiro para manter a dignidade.
Só queria ter isso, só queria ter aquilo, ter de tudo pra não dar mais tanto valor apenas no pão com manteiga.
No corpo cansado é visível o desgosto, o olhar perdido ao longe, o desemprego é o assunto da maioria, a falta de dinheiro já é rotina.
Policiais petulantes passeiam gastando a gasolina do estado, com arma na mão apavora o mais humilde, da estiletada na cara, rasga a barriga do menor, que não soube dizer porque estava naquele horário na rua, talvez tivesse vergonha de dizer que está ali porque seu pai chega bêbado e o espanca toda noite.
O tráfico continua, o homicida continua, pois a justiça aqui tem um preço.
Pode vim a civil, pode vim a rota, rajada, rajada mesmo só se não tiver idéia, porque o resto o dinheiro compra.
Qual o lado real dessa guerra? O das reportagens policias numa TV que aliena mais o povo, ou o desfile do ladrão de carro importado e ouro no pulso, que com sua aparência convence o menino que a escola não é o caminho?
A cultura criminal já se apossou das nossas vidas, difícil é falar de amigos sem dizer a palavra finado na frente, difícil não falar de cadeia, de briga, de pistola.
O que plantaram pra gente? Desesperança, o que vão colher? Uma geração inteira de psicopata que no começo da vida não teve outro caminho a seguir. Sendo empurrado como um boi para o matadouro.
A escola é quatro horas, a vida é vinte e quatro, o pai não cria o filho, a rua sim, a elite financia a miséria e no final todos se trombam na guerra ai fora.
É muita treta, morar num lugar que ninguém se respeita, onde os ratos desfilam pelas ruas, onde seu filho brinca com a água do córrego, e no final querer competir no mercado de trabalho com o filho da elite que fez inglês desde os cinco anos de idade.
O que estamos plantando para nossos filhos aqui? Não temos nem a consciência de uma cultura, não temos nem como contar nosso passado, então como olhar o futuro?
A vida é um retorno ao grande nada aqui na zona sul de São Paulo a vida é uma grande piada, embora agente quase nunca de risada dela.
Assim como todas as periferias de São Paulo e do Brasil em geral, as leis são outras.
Homens nervosos, com armas na mão, que nunca olham no olho da população, despreparados e desorientados, quantos eu já vi com o sintoma da droga, cheirados até ficar mordendo, aquela arma engatilhada, apontada para um suspeito que no máximo deve ter 12 anos de idade.
Uma coisa gera a outra, e o campo de concentração moderno não tem diversão, é paranóia o tempo todo, ficar sentado na frente do bar, fumar um cigarro, e quando tiver mais idade ir para o baseado e dali para a farinha.
O traficante distribui a droga que a televisão já vendeu a muito tempo, convencendo durante anos que por mais que agente se esforce nunca vai ser como eles.
Eu no meu pequeno mundo não julgo ninguém, porque sei como é duro viver como um zé ninguém, e tantos optaram por viver como rei pelo menos até os vinte anos, vida de ladrão não dá aposentadoria, mas a rapper já fala, quando o filho chora de fome, moral não vai ajudar.
A periferia não é um bloco, somos vivos, somos diferentes, e no fundo temos o mesmo sonho, um futuro melhor, sem covardia, sem drogas, sem sofrimento e sem mortes.
Mas o homem prostituiu tudo e hoje felicidade não é gratuita.
Ferréz, 29 anos, é morador do jardim Amália (Capão Redondo, zona sul – SP) autor dos livros Capão Pecado, Manual prático do ódio e Amanhecer Esmeralda e Ninguém é inocente em São Paulo (objetiva).
5 comentários:
Sem palavras, algumas pessoas posuem uma mente brilhante, deve ser um DOM, realmente não há explicação ... Como podemos ter em uma comunidade carente de tudo, escola, informação, lazer, educação e outras mais uma pessoa com um pensar tão interessante e sem abandonar em um ponto ou vírgula sequer a verdadeira realidade.
Mais uma vez, ou todas as vezes sempre... Parabéns Ferréz !
Um abraço de um Filho da Cohab de Perús !
Salve !!!
D'Lima
SAlve Ferrez,mano sem palvras esse texto,mais ai nos ultimos tempos tenho pensado muito no papel da educação e da escola já que talvez irei começar a dar aula esse mês.
"A escola é quetro horas,a vida é vinte e quatro".
Reflexão pro resto da madrugada...obrigado.
é, esta realidade perversa, que sempre é um soco na boca do estômago,
na sua palavra certeira...
na sua escrita direta...
oxalá arranjos locais, que envolvam gente como vc, disparem soluções, cada uma a seu modo...
pra esta coisa tão animal, tão desumana, tão fruto de nós mesmos (contradição eterna)....
esta coisa que gera tudo...
a falta de dignidade, de auto estima, de outros caminhos....
Obrigada pela leitura que sempre corta, e, no cortar, vai rearranjando a gente, menino!!!
Belo texto, apesar do tema não ser nada bonito.
Parabéns
Legal, muito bom o texto. Quase sem erros ortográficos e de concordância.
Abraço,
Anderson
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