Blog do escritor Ferréz

Pra não dizer que só falei de ratos (Ferréz)

Pra não dizer que só falei dos ratos.

Tem uma pequena árvore no quintal de casa, esses dias vi um tufo de mato no chão, era um ninho, olhei dentro, talvez encontrasse ovos, mas me surpreendi e vi pequenos pássaros.
Tinha um amigo meu aqui no escritório e o chamei, mostrei e ele se encantou, o bicho gosta de tudo que é animal, e ficou bobo, resolvemos colocar o ninho na árvore, pegamos a escada e demos um jeito, mas a noite eu lhe perguntei.
-será que você pos o ninho certo? Ou você virou o buraco pra cima.
- mas num é não?
- acho que não, acho que é do lado.
No outro dia fui ver o ninho, e estava no chão tinha outro buraco do lado, chamei minha mãe.
- veja mãe nem só de rato vive a favela.
Ela olhou e gostou muito, adora pássaros e cria periquitos, eu lhe mostrei dois pássaros filhotes que estavam no muro, peguei o ninho e vi um lá dentro, de repente o ninho balançou e um saiu voando, e depois saiu outro, ela correu e conseguiu pegar um e colocamos dentro do ninho, os bicho tava tudo doido, olhando o mundo pela primeira vez.
Um deles fugiu mas vi outro pássaro o seguindo, talvez fosse sua mãe, pegamos a escada e colocamos o ninho na árvore de novo.
Esses dias encontrei o ninho no chão novamente, estava todo aberto, como algo que já foi usado o suficiente, no mesmo dia vi a mãe dos pequenos, pousou no portão durante alguns segundos, olhou em direção ao ninho e saiu, fiquei como os meus botões, será que avisaram onde foram?
As coisas tendem a ser assim, as vezes quando me deparo devorando um livro porque no fim tenho que ler, paro, olho e me sinto muito mal.
Queria voltar ao tempo que lia suavemente, devorando palavra por palavra, mas obedecendo as virgulas para que elas fizessem um sentido maior.
Fui para o jardim, sentei no banco branco que o ex dono da casa me deixou e li Hesse novamente, como fazia aos meus 15 anos, a sensação veio, nada de desgosto e frustração, e apesar de toda a batalha da vida, eu lia sobre o sol, sobre o céu que não é mais tão preto, sobre historias contadas como devem ser, calmamente, levemente como uma caminhada em boa companhia.
O sol bateu de um lado do banco, eu recuei para o outro, e de repente voltei para onde estava, senti o calor, o livro também, as páginas se iluminaram, a história continuou, um vento veio ao meu encontro e me fez o favor de aliviar uma mente as vezes tão cansada.
Crianças passavam na rua, minhas mãos de datilógrafo não doíam mais, segurava o livro e olhava para as árvores, suas raízes e seus detalhes que vistos com atenção deixam a mostra a diferença que todos nós temos.
Voltei para dentro de casa, pensei em alguns discos, e me desculpe o Zeca Baleiro e o Chico mas nesse dia nenhum som se casava com aquilo, veio-me frases, pedaços de vidas, restos de fotos, mas após pegar um simples copo de café, e ver ainda sobre o sofá discos de Paulo Sérgio, eu fui para o banco branco e esperei somente pelos pássaros, talvez os pequenos pássaros que eu por muita sorte segurei ainda dentro do ninho.
Isso eu não comprei, isso eu não paguei, não achei num shopping, nem tive que roubar, isso veio de graça, e acho que isso que é a vida.

Ferréz

5 comentários:

Lica disse...

Férrez, sempre muito bom!
Dia desses num sitio no interior curti uma brisa com céu estrelado e silêncio...o mesmo énsamento...é a vida!
Grande abraço

Pedro Pieroni disse...

É isso aí, levar a literatura, a poesia e arte a todo lugar...essa é a cena! Mesmo que, aqui no País, haja muitos problemas, como o analfabetismo,a internet aparece como opção para romper barreiras; publicações independentes de um sistema em busca do conhecimento!

Vida, vida minha

Em São Paulo, às vezes, sou tudo; sempre sou nada.
Quando estou abonado, todas estão apaixonadas
Sou manhã cinzenta;
À noite catuaba com menta,
Que tento chamar a alegria,
Porém as nuvens chegam, a tarde é fria.
Tento e invento um sentimento;
A minha existência num só momento
A peça que a vida me pregou
Foi uma pornochanchada do tempo do meu avô.
A minha arte provém da rua,
Às ladradas do cachorro à luz da lua.
Amanhecendo, o pão com mortadela do marcado central,
Sigo minha caminhada em direção à catedral.
Notre Dame? Que isso! Fico com a Sé,
Calor humano, passantes, cheiro de café.
Paulistano tem sentimento,
Peguei-me piscando pra morena na São Bento.
Fora isso...
O espetáculo ficou espetaculoso
Engendrando em mente um sistema nervoso
Eu não sou o James Dean
Nunca usei camiseta e calça jeans
Já que é assim...
Vou fazer da minha vida um filme “holliwoodiense”
Amor, simpatia, erotismo e “happy end”.

Pedro Pieroni
pieroni_pe@hotmail.com

Giovanni Nobile Dias disse...

E aí, Ferréz!
Meu nome é Giovanni...sou de Londrina!
tomei conhecimento do teu blog somente nesta manhã, enquanto lia uma entrevista tua na Carta na Escola (uma revista da Carta Capital, com matérias as principais que saíram na revista Carta Capital e que tenham um aproveitamento educacional maior...
Enfim, vi você dizendo sobre os meios de comunicação que são instrumento para porder entrar no cerco, no círculo - e circo - que é montado pela grande mídia e que molda, cria imagens a partir de pequenos fatos. Realmente a favela não é feita só de ratos!
curti a história do post que comento agora! e quando terminei de ler, olhei pela janela. Não ouvi nenhum canto de pássaro. Só um ruído de ônibus, uns buzinaços de carros e uma música eletrônica tocando na casa do vizinho.
Faltam pássaros, ultimamente. Faltam pássaros para que as pessoas se espelhem em seus exemplos. Cantem e batam asas pela liberdade.

Curso jornalismo na UEL. Sou cronista, mas ainda estou no início desta atividade. Gostaria de podermos trocar algumas idéias, se possível.
Parabéns pelos teus textos. O conhecia somente como escritor através de um título de livro infantil - o qual não me lembro agora, me desculpe - mas quando li, gostei. Assim como gostei do texto do teu Blog.
meu e-mail é
dias.giovanni@gmail.com
espero que a gente possa trocar algumas idéias sobre a escrita e a função da mídia na nossa sociedade.
falo, cara!
e parabéns!

Ariel disse...

Ferréz, moro no interior de sp, numa cidade-classe-média, apesar de morar em um bairro afastado do centro, meu estilo de vida e meu universo não estão diretamente ligados à cultura hip hop. Tomei conhecimento do seu trabalho através de uma reportagem da TV Cultura. Assim que lí "O pão e a revolução" virei automaticamente seu fã. E passei a entender a coisa toda, esse braço literário da cultura hip hop (sem rotular é claro, apenas pra entendimento rápido). Você conseguiu influenciar e abrir caminhos tanto na própria comunidade como na cultura nacional. De alguma forma vc conseguiu ser ouvido em meio a Big Brothers, Cicarellis e todos esses fantoches do sistema. Mas acima disso tudo está a sua sensibilidade, seu talento e sua luta pessoal. Parabéns. "A faculdade da vida é mil grau."

Ariel disse...

Ferréz
Moro no interior de sp, numa cidade-classe-média, apesar de morar em um bairro afastado do centro, meu estilo de vida e meu universo não estão diretamente ligados à cultura hip hop. Tomei conhecimento do seu trabalho através de uma reportagem da TV Cultura. Assim que lí "O pão e a revolução" virei automaticamente seu fã. E passei a entender a coisa toda, esse braço literário da cultura hip hop (sem rotular é claro, apenas pra entendimento rápido). Você conseguiu influenciar e abrir caminhos tanto na própria comunidade como na cultura nacional. De alguma forma vc conseguiu ser ouvido em meio a Big Brothers, Cicarellis e todos esses fantoches do sistema, essa poluição toda. Mas acima disso tudo está a sua sensibilidade, seu talento e sua luta pessoal. Parabéns. "A faculdade da vida é mil grau."