um abraço e se liga na história.
O primeiro e o terceiro mundo
Só esses dias tive certeza, pra ser mais fiel aos fatos foi no dia 23 de novembro, estava no Rio, um calor do caralho. Cheguei na cidade para ir ao prêmio Hutúz, liguei para o Paulo Lins, já que tínhamos uma palestra na U.R.F.J no dia 24, então eu ficaria em sua casa no dia 23.
No prédio onde mora, tem um jardim no fundo que eu me amarro, e sempre levo um Bukowski pra ler.
Mas ele não podia me receber lá naquele momento, pois teria uma palestra, aceitei o convite e fui assistir no instituto de filosofia e ciências sociais.
Na verdade ele não iria palestrar e sim, comentar uma apresentação de um trabalho sobre favelas de uma professora americana.
- Bandido ta na moda - é o que Paulo nos falava nos bastidores, mas nada disso para mim é novo, já vi tanto classe alta ganhar dinheiro com nossa vida, que virou rotina.
O que me espanta é o lugar, e ai eu tive certeza, lugares antigos, já castigados pelo tempo me deixam ligado, tive que pedir uma folha para escrever algo, comecei a reparar nos detalhes, a porta bege quase chegando num amarelo, tinha uma tela na parte de baixo, ao lado uma lousa daquelas que agente faz subir uma parte, a professora loira fala sem parar desde que sentou a mesa.
Uma mistura de sotaques irritante, abre a boca em excesso, como se precisasse arreganhar tudo para falar certas palavras, muitos esses, muitos xis.
Paulo fica olhando e sei que esta tentando demonstrar interesse, mas é claro, pelo menos pra mim, que ele esta de saco cheio, as cadeiras ficam em degraus, tipo aquelas universidades americanas, onde o professor fica em baixo, lembra o coliseu, tigres, romanos, e toda essa porra.
As luzes pressas em luminárias em forma de caixas são tão antigas como aquele ensino, de cada três uma está queimada.
O assunto continua, barracos eram proibidos no Rio, eram somente pequenas favelas, tudo isso em 1903.
O condicionador faz barulho, ela fala sem microfone, estou com uma sede absurda, uma gorda chega e antes de sentar pergunta se ali era a palestra sobre favela, eu respondo que sim, embora quisesse mandar ela para o inferno.
A gorda senta, olho e depois da raiva cinto dó, depois da dó fico com vontade de ri, que se foda a obesa, na hora de comer todos aqueles doces e salgados, não me chamam, então que engorde até explodir.
Já faz mais de meia hora e Paulo não falou sequer um oi, a loira gringa prossegue explicando tudo, o sapatinho da gorda é rosa escuro e bem menor que seu pé, ouço seus dedos dizendo, Nos liberte, socorro poderoso escritor, os sapatos dessa gordona está nos matando.
O calor aumenta, o ar está desligado, e era necessário pois não estávamos ouvindo nada, só o ronco do ar.
Estou com dó do Paulo, ele coloca o óculos na mesa, a gorda se coça, a gringa loira não para de falar, a gorda se coça de novo, acho que a gordura a irrita, se coça novamente, os peitos estão misturados com a barriga, a bunda é um calhamaço de gordura morta, ela coça agora a cabeça, cutuca o ouvido e olha em volta, então olho para a professora ela fala em anos cinqüenta, Deus! ela não respira nem sequer engole, acho que não há mais água em seu corpo, por isso não deve ter saliva.
A alguns minutos abriu um copinho d água e não bebeu sequer um gole.
As mãos sobem ao ar, as misturas dos sotaques é estranho, português associado ao carioquês e mais o inglês resulta num tipo de alemão.
Um aluno cutuca o dente, outro alisa a barba, dezenas balançam os pés, e a gorda se coça.
Paulo só olha, eu escrevo para passar o tempo, continuo observando a gorda, unha cor de vinho, saia cinza, muito tecido gasto, a professora gringa loira continua e Paulo só olha, mexe e brinca com a tampa da garrafa d água, já fiz isso muito em palestras, é o retrato do desgosto.
Talvez seja o preço da nossa fama, mas é impressionante nem respirar, ela respira, acho que Paulo não vai comentar nada, não vai dar tempo, ele agora cruza os braços em forma de xis e apóia as mãos sobre os ombros como quem quer dizer, Alguém me ajude por favor.
Então percebe o meu olhar, e minha mão movimentando a caneta, e me dá um jóia, como quem diz, Está tudo certo.
Agora coça o queixo, talvez queria estar com João, seu lindo filho, talvez beijando Silvana, talvez escrevendo, talvez batendo punheta ou qualquer outra coisa, menos ouvindo a gringa falar sobre favela.
Minha segunda folha está no ultimo lado, daqui a pouco vai acabar, as pernas de Paulo começam a se movimentar e um pé encosta no outro.
Expulsão de moradores, mas existiam muitos indivíduos, individas, indivíduos, ela se engasga, a palavra entala, mas como uma mobilete velha, a professora gringa engasga mas não para.
A gorda se levanta, a cadeira não foi feita para ela, leva a mão esquerda até as costas e desce para a bunda, antes de ajeitar a calcinha, olha para os lados, os alunos tem as cabeças apoiadas com os braços, todos olham para a loira gringa que não para de falar, a gorda puxa, puxa mais, e mais até sair toda a calcinha de sua enorme bunda, depois senta.
A professora loira ainda não tocou na água, eu estruparia aquele copo, o color ta de matar, ela engasga novamente, dessa vez com um nome de bairro e Paulo a ajuda a pronunciar. Ela brinca e continua, não, ela não o deixará falar, agora eu tenho certeza, sequer olha para ele, como se ela estivesse sozinha naquela mesa e no mundo.
Eu penso em sair, mas vou ficar, quero ver que hora Paulo vai falar, já passa de uma hora sem uma pausa, sem uma pequena respiração sequer, ele é o terceiro mundo, quieto, passivo, paciente ao extremo, ela é o primeiro, senhor absoluto, dono da verdade, sempre falando pra si mesmo.
A gorda saca um caderninho, tem uma maçã na capa, e anota duas frases, só duas frases em mais de uma hora de palestra, talvez tenha pensado num pudim, numa rabanada, numa pizza, menos no que a loira gringa falava.
A professora gringa diz que falou muito, e ameaça parar, todos concordam, mas ela continua, estou com medo agora, falta três linhas para minha folha acabar, a gorda tira o sapato, cutuca o dedão do pé, Paulo continua a olhar para a porra da gringa, fazendo uma cara de, Pelo amor de Deus me deixa falar algo, minha ultima linha agora, mas a professora continua movimentando as mãos enquanto ...
Só esses dias tive certeza, pra ser mais fiel aos fatos foi no dia 23 de novembro, estava no Rio, um calor do caralho. Cheguei na cidade para ir ao prêmio Hutúz, liguei para o Paulo Lins, já que tínhamos uma palestra na U.R.F.J no dia 24, então eu ficaria em sua casa no dia 23.
No prédio onde mora, tem um jardim no fundo que eu me amarro, e sempre levo um Bukowski pra ler.
Mas ele não podia me receber lá naquele momento, pois teria uma palestra, aceitei o convite e fui assistir no instituto de filosofia e ciências sociais.
Na verdade ele não iria palestrar e sim, comentar uma apresentação de um trabalho sobre favelas de uma professora americana.
- Bandido ta na moda - é o que Paulo nos falava nos bastidores, mas nada disso para mim é novo, já vi tanto classe alta ganhar dinheiro com nossa vida, que virou rotina.
O que me espanta é o lugar, e ai eu tive certeza, lugares antigos, já castigados pelo tempo me deixam ligado, tive que pedir uma folha para escrever algo, comecei a reparar nos detalhes, a porta bege quase chegando num amarelo, tinha uma tela na parte de baixo, ao lado uma lousa daquelas que agente faz subir uma parte, a professora loira fala sem parar desde que sentou a mesa.
Uma mistura de sotaques irritante, abre a boca em excesso, como se precisasse arreganhar tudo para falar certas palavras, muitos esses, muitos xis.
Paulo fica olhando e sei que esta tentando demonstrar interesse, mas é claro, pelo menos pra mim, que ele esta de saco cheio, as cadeiras ficam em degraus, tipo aquelas universidades americanas, onde o professor fica em baixo, lembra o coliseu, tigres, romanos, e toda essa porra.
As luzes pressas em luminárias em forma de caixas são tão antigas como aquele ensino, de cada três uma está queimada.
O assunto continua, barracos eram proibidos no Rio, eram somente pequenas favelas, tudo isso em 1903.
O condicionador faz barulho, ela fala sem microfone, estou com uma sede absurda, uma gorda chega e antes de sentar pergunta se ali era a palestra sobre favela, eu respondo que sim, embora quisesse mandar ela para o inferno.
A gorda senta, olho e depois da raiva cinto dó, depois da dó fico com vontade de ri, que se foda a obesa, na hora de comer todos aqueles doces e salgados, não me chamam, então que engorde até explodir.
Já faz mais de meia hora e Paulo não falou sequer um oi, a loira gringa prossegue explicando tudo, o sapatinho da gorda é rosa escuro e bem menor que seu pé, ouço seus dedos dizendo, Nos liberte, socorro poderoso escritor, os sapatos dessa gordona está nos matando.
O calor aumenta, o ar está desligado, e era necessário pois não estávamos ouvindo nada, só o ronco do ar.
Estou com dó do Paulo, ele coloca o óculos na mesa, a gorda se coça, a gringa loira não para de falar, a gorda se coça de novo, acho que a gordura a irrita, se coça novamente, os peitos estão misturados com a barriga, a bunda é um calhamaço de gordura morta, ela coça agora a cabeça, cutuca o ouvido e olha em volta, então olho para a professora ela fala em anos cinqüenta, Deus! ela não respira nem sequer engole, acho que não há mais água em seu corpo, por isso não deve ter saliva.
A alguns minutos abriu um copinho d água e não bebeu sequer um gole.
As mãos sobem ao ar, as misturas dos sotaques é estranho, português associado ao carioquês e mais o inglês resulta num tipo de alemão.
Um aluno cutuca o dente, outro alisa a barba, dezenas balançam os pés, e a gorda se coça.
Paulo só olha, eu escrevo para passar o tempo, continuo observando a gorda, unha cor de vinho, saia cinza, muito tecido gasto, a professora gringa loira continua e Paulo só olha, mexe e brinca com a tampa da garrafa d água, já fiz isso muito em palestras, é o retrato do desgosto.
Talvez seja o preço da nossa fama, mas é impressionante nem respirar, ela respira, acho que Paulo não vai comentar nada, não vai dar tempo, ele agora cruza os braços em forma de xis e apóia as mãos sobre os ombros como quem quer dizer, Alguém me ajude por favor.
Então percebe o meu olhar, e minha mão movimentando a caneta, e me dá um jóia, como quem diz, Está tudo certo.
Agora coça o queixo, talvez queria estar com João, seu lindo filho, talvez beijando Silvana, talvez escrevendo, talvez batendo punheta ou qualquer outra coisa, menos ouvindo a gringa falar sobre favela.
Minha segunda folha está no ultimo lado, daqui a pouco vai acabar, as pernas de Paulo começam a se movimentar e um pé encosta no outro.
Expulsão de moradores, mas existiam muitos indivíduos, individas, indivíduos, ela se engasga, a palavra entala, mas como uma mobilete velha, a professora gringa engasga mas não para.
A gorda se levanta, a cadeira não foi feita para ela, leva a mão esquerda até as costas e desce para a bunda, antes de ajeitar a calcinha, olha para os lados, os alunos tem as cabeças apoiadas com os braços, todos olham para a loira gringa que não para de falar, a gorda puxa, puxa mais, e mais até sair toda a calcinha de sua enorme bunda, depois senta.
A professora loira ainda não tocou na água, eu estruparia aquele copo, o color ta de matar, ela engasga novamente, dessa vez com um nome de bairro e Paulo a ajuda a pronunciar. Ela brinca e continua, não, ela não o deixará falar, agora eu tenho certeza, sequer olha para ele, como se ela estivesse sozinha naquela mesa e no mundo.
Eu penso em sair, mas vou ficar, quero ver que hora Paulo vai falar, já passa de uma hora sem uma pausa, sem uma pequena respiração sequer, ele é o terceiro mundo, quieto, passivo, paciente ao extremo, ela é o primeiro, senhor absoluto, dono da verdade, sempre falando pra si mesmo.
A gorda saca um caderninho, tem uma maçã na capa, e anota duas frases, só duas frases em mais de uma hora de palestra, talvez tenha pensado num pudim, numa rabanada, numa pizza, menos no que a loira gringa falava.
A professora gringa diz que falou muito, e ameaça parar, todos concordam, mas ela continua, estou com medo agora, falta três linhas para minha folha acabar, a gorda tira o sapato, cutuca o dedão do pé, Paulo continua a olhar para a porra da gringa, fazendo uma cara de, Pelo amor de Deus me deixa falar algo, minha ultima linha agora, mas a professora continua movimentando as mãos enquanto ...
Um comentário:
O texto está ótimo.
obs: no antipenultimo paragráfo.
á um erro: color.
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