Sul real
Dia 31 de junho, 2 horas da madruga, estou voltando de Ilha bela com o Eduardo e o Maurício, no carro do Eduardo.
Fomos levar material para forrar um palco de um evento, onde o Eduardo e sua empresa estão trabalhando, montagem de tendas.
O lugar é muito bonito, mas tem aquela cara nojenta de tudo que é exclusivo. A todo momento ouvimos que tudo é para membros do clube, na verdade é para não deixar que seja para todo mundo, carros pagam quase 30 reais para entrar na ilha, e caminhões 130,00.
Os bares pequenos, os mercadinhos, tudo remonta a um lugar humilde, mas tudo cai por terra quando se chega ao clube de iates.
Bom, a verdade é que levamos o material, tomamos um café preto e voltamos para sampa, mais de 3 horas para chegar, passamos a ponte João dias e todo mundo já tava com uma fome monstra, paramos no Frango frito.
Ninguém previa, mas quando saímos de lá, o carro quebrou imediatamente, tava suave de mais, ver um lugar como Ilha bela e voltar pra sul sem sofrimento.
Empurramos pra calçada mais próxima, que tinha uma construção, não notamos o que era, pois estávamos preocupados com o carro que não funcionou mais, não teve jeito.
Ligamos pro guincho, e eu sentei na calçada para ligar para a Elaine vir me buscar, peguei o telefone e comecei discar, nisso uma viatura começou a circular até que teve coragem de chegar.
O Eduardo e o Maurício estavam dentro do carro, o policial chegou em mim.
- Tudo bem por ai?
Eu falei tudo bem, ele perguntou o que aconteceu, eu disse que o carro havia quebrado, perguntou se era meu, eu falei que era de um amigo que estava lá dentro, nisso uma policial feminina veio e ficou atrás de mim, foi quando olhei para traz e vi que estava em frente a uma agência do Bradesco em reforma.
Ele foi até os dois e mandou sair, eles saíram, ele pediu os documentos e começou a abordagem, eu não acreditei, com o carro quebrado e passando por aquilo, fui neles e falei se era uma abordagem, ele pediu meu documento e me mandou encostar, eu me neguei a encostar, dei o documento e voltei para a calçada, liguei para a Elaine novamente e ela falou que estava a caminho.
Foi quando começou a chegar várias viaturas, eu continue sentado, e quando vi eles já estavam revistando o carro, eu reclamei alto que em vez de ajudar, virou uma abordagem.
O primeiro policial se aproximou e disse que estavam havendo muitos assaltos a banco, e que nós paramos logo ali, eu disse que o carro num escolhe lugar para quebrar, ele falou. - Azar.
Nisso chegou mais 2 viaturas, e logo agente tava no meio de um batalhão inteiro.
A Elaine chegou e esperou ao lado, foi quando parou mais uma viatura, desceu um policial que não se identificou, todos estavam sem identificação e começou a perguntar onde o Eduardo morava, eu sai de perto e fiquei olhando eles revistando com a lanterna o carro, revirando tudo.
Voltei para sentar onde estava. A Elaine disse que não podia demorar, pois havia deixado minha filha sozinha em casa, dormindo.
Eu fui até o Maurício para falar, e ele estava dizendo onde morava para o policial, então ele me perguntou onde morava.
- O que?
- Onde você mora?
- Policial, meu carro quebrou, o que tem a ver onde moro?
- Onde você mora, responde, porra!
Eu me neguei a falar, ele pediu meu documento, eu disse que já estava com o outro policial, ele mandou eu por a mão para traz, eu falei que aquilo parecia brincadeira, foi quando ele levantou a voz e disse que era uma ordem legal, se não botasse a mão para traz ele ia me dar voz de prisão.
Eu perguntei se ele sabia quem eu era (pra quem não sabe, no Brasil essa frase é tudo).
Foi quando outro policial disse que eu era o cara que trabalha pro Serra.
Me indignei e perguntei.
- Pro Serra? Quem disse que trabalho pro Serra?
- pra TV de lá, a TV do Serra, caralho! Falou o outro policial.
- Policial, eu não trabalho pro Serra, eu trabalho na TV Cultura, que é pública. Respondi, tentando ponderar a conversa.
- Pau no seu cu e no do Serra! Gritou o policial que me abordou primeiro.
Foi quando falei que agente tinha trabalhado até àquela hora, que o carro tinha quebrado e que os outros policiais estavam fazendo a abordagem, ele veio pra cima de mim, e mandou por a mão para traz, eu levantei a voz e disse que ele estava de brincadeira, foi quando outro policial ao lado me deu um murro no ombro, e ai perdi a linha.
Gritei que não era assim não, que ele não sabia quem eu era, ele sacou a algema para me prender e o Maurício entrou no meio dizendo que não precisava disso.
Minha mulher começou a querer ficar perto de mim, e eles a cercaram e mandaram ela sair virou um tumulto geral, e quando olhei tinha outro policial com a arma no meu pescoço.
Depois disso todos se afastaram de mim, e ficaram 40 minutos puxando nossos documentos, 40 minutos de enrolação, e eu pensando na minha filha em casa sozinha.
O policial que havia me dado ordem de prisão se aproximou de mim e disse ao entregar meu documento.
- Você ta mais calmo?
- Eu sou calmo.
- Agente ta fazendo o trabalho da gente.
- Você nem me perguntou o que aconteceu com meu carro, sabe por que, porque vocês tão preocupados com o patrimônio, não com a gente.
- Eu perguntei onde você mora porque você num falou logo.
- Eu não acho que isso tem a ver, o carro quebrou, não interessa se moro num barraco ou numa mansão.
- Eu não perguntei isso, perguntei onde você mora, para saber se vocês tão indo pra casa.
- E se eu não estivesse, direito de ir e vir.
- To falando numa boa, se quiser encrespar, agente encrespa.
- Policial, agente num ta falando numa boa, eu não posso nem argumentar.
- Foda-se. Você falou que eu não sabia quem era você, quem é você?
- Eu sou Reginaldo Ferreira da silva.
- E daí?
- Daí que meu carro quebrou, se fosse do outro lado da ponte vocês chegavam e perguntavam se eu precisava de ajuda como é aqui, quase acabei preso.
- To falando numa boa amigo, se quiser eu encrespo, fica na moral.
Então vi que aquilo não dava pra chegar a lugar nenhum e disse. - Tá, pode falar.
- To tentando fazer meu trabalho, aqui é Zona Sul, muito assalto a banco, história bonita eu ouço todo dia.
- Ta, eu tenho que ir, minha filha ta sozinha, e sei que vocês tão preocupados com o patrimônio ai do banco, que agente não interesse, nem me perguntar o que aconteceu você perguntou.
- Vai tomar no seu cu, eu pergunto o que eu quiser você sabia que seu amigo ai tem um 121 (assassinato).
- Tem o que?
Nisso o Maurício colou e falou que o policial não sabia o que estava dizendo, e ele respondeu.
- Mas pode ter, você ta entendendo? Se eu quiser encrespar eu encrespo.
Eu olhei pra minha mulher, pensei na minha filha, e fiquei quieto.
- Ta aqui seu documento, ta aqui a multa.
Você multou agente?
- Multei, carro estacionado na calçada.
- Mas o carro quebrou.
- Não é problema meu, empurrasse até um estacionamento.
O Maurício tentou argumentar que tiramos da rua para não atrapalhar o trânsito.
- Quem tem um Audi pode pagar multa, se vira.
Eu falei que tudo bem, que agente pagava.
Ele virou as costas e disse.
- Claro, você tem dinheiro pra pagar?, sabe quanto eu ganho? e tem mais, você num trabalha pro Serra? Quebra lá com eles.
Eu desisti de falar que trabalhava pra TV Cultura.
As viaturas foram saindo uma a uma, ficamos lá no escuro, com o carro quebrado, esperando o guincho e com uma multa na mão.
Sabe qual foi a ultima frase do policial?
- Vocês deveriam agradecer que agente ta averiguando isso tudo, é para sua segurança.