Blog do escritor Ferréz

www.ferrez.com.br

Salve,
agora no site www.ferrez.com.br, está na íntegra o texto Lisístrata: sexo, drogas e greve.
o texto só será publicado no site, e já está disponível assim como os textos que fiz na Caros Amigos durante esses cinco anos que lá estive.
no site também você pode baixar as músicas do meu primeiro disco, Determinação.
é só entrar na parte de músicas.
também tem a nova música do TRef, meu projeto junto com o Maurício (detentos do Rap) e Odair (Negredo).
além de também poder ler e copiar os textos que fiz para Folha de S.Paulo, Trip, Revista MTV, e muito mais. dá um pulo lá, porque ninguém pode falar agora que não tem acesso a leitura, porque é caro e tal.
o site tem dado muitas respostas boas, principalmente de escolas e pessoas que não tinham acesso ao meu trabalho, agradeço a todos, e esse ano o site será bem mais atualizado.
Ferréz.

Lei da maioridade e o carnaval



Salve


Nada melhor do que para resolver toda essa crise na segurança pública, leia-se: injustiça social.
do que comemorar com um belo carnaval, patrocinado por muitos desses "monstros"retratados pela mídia.
Gil Rugai era favelado? Suzane era favelada? e o aspirante a médico que metralhou todo mundo no shopping? bom, de exemplos tem vários, entre os Edelbrandos da vida, até os Lalaus, entre Collors e Pts inteiros que estão na listas.
mas o que aparece na tv? jornal do Sbt, uma reportagem começa sobre a mairidade penal, então a repórter aparece com uma favela ao fundo e diz: os jovens que cometem esses crimes, geralmente vem de lugares como esse.
eu juro pra vocês que me senti numa matéria do repórter éco, onde se mostra no habitat de algum animal.
mas deve ser alucinação carnavalesca da minha parte, já que ninguém se pronunciou contra, e tem tanta entidade ai com nome de favela, será que alguma delas vai fazer algo? talvez se tiver como tirar algum do caso.
agora se não render nenhum projetinho, ai não podemos fazer nada.
enquanto isso, vamos ver nossos iguais empurrando os carros super coloridos com os modelos da globo, da band etc em cima, rebolando e dizendo bem alto - eu quero que se foda.....


é carnaval. viva.


Ferréz

Novo Lançamento em Portugal

Salve, depois do Capão Pecado, agora é a vez do Manual Prático do ódio sair em terras portuguesas, a capa ficou show, apesar que sou suspeito pra dar palpites, mas confere ai.
Além das livrarias de lá, está a venda também em vários sites, os mais famosos são: www.webboom.pt , www.bertrand.pt e www.fnac.pt
o melhor preço está no Webboom : EUR 13, 97. que eu não sei quanto sai em reais.
esse foi o ultimo trabalho que fiz com a minha amiga Ray Güde Mertin, antes dela falecer no final do ano, com certeza vai ter um lugar bem grande no meu coração, Valeu Ray, nas nossas conversas você sempre me elogiava, e eu sempre falava que o melhor livro, é o que está por vir, por você e por pessoas com a sua índole, é que vale a pena fazer o que fazemos.
essa lâmina será guardada com todo carinho, pis tem meu nome como escritor e o seu como minha agente.
Ferréz.

em breve

Salve
em breve está chegando o que já plantamos a 4 anos.
será inaugurada a biblioteca do projeto periferia Ativa.
2 andares, 4 computadores, mais de mil livros, entre clássicos, contemporâneos e os quadrinhos.
livros para todos os gostos, um espaço só de escritores negros, uma brinquedoteca e muito mais.
dentro da comunidade da Vila sabim,
em breve daremos a data para a festa maior da nossa cultura.
Ferréz/Negredo/Mano Brown/Periferia Ativa/Thalentos Aprisionados.

Poster da Coletânia

Salve rapa, vai ai o modelo do poster da coletânia 1dasul, que sairá esse mês nas lojas, com vários talentos do rap nacional entre eles: Realidade Cruel, Prof. Pablo, A Família, Detentos do Rap, Negredo e os iniciantes R.D.G, Tref, Otraversão, Dj Dri, porque o Rap sem o novo num é nada, e sem valorizar os clássicos é menos ainda, vida longa ao rap mais contundente do mundo.
o Rap brasileiro.
as pessoas que gostam de ler meus textos, me desculpo por postar aqui outros assuntos, mas os sites de rap estão mais preocupados com outros assuntos, como os gringos, e não dão espaço para a nossa cultura, então aqui é um dos únicos lugares que tenho chance de falar desses projetos.
abraços

Ferréz/1dasul

Canto da sereia (texto feito para o blog literatura periférica)

Canto da Sereia

Entrou pela primeira vez, talvez não fosse a última, talvez.
Ali dentro não tinha nome, não tinha cometido nenhum crime, era um número.
Não tinha que explicar nada, nem contar histórias.
Era simplesmente um número.
Não achou nenhuma cela com conhecidos, e o guarda começava a forçar uma escolha.
Olhou o velho pacato no xadrez, mais dois no canto jogando baralho.
Ouviu o impacto da água sobre outra água, balde no vazo.
Tinha outro no banheiro.
Era ali mesmo, o guarda estava impaciente.
Entra logo ladrão.
Cumprimentou com os olhos, nada mais.
O velho continuava encostado na parede, olhos para um copo com água em um pequeno banco de madeira.
Chegou no velho e disse que era temporário sua estada naquele barraco, que amanhã procuraria com mais calma algum barraco onde tivesse um amigo.
O velho abaixou a cabeça e levantou em sinal de compreensão.
Os outros companheiros o chamaram para entrar no jogo, preferiu não, era cedo demais para algum contato.
Chegou a hora da janta, o bandéco foi entregue a cada preso, o velho nem olhou, somente esticou o braço e pegou, abriu e começou a comer lentamente, foi a primeira vez que tirou os olhos do copo d água.
Ficou contente com a refeição, mesmo com o arroz cru e quebrado.
A fome era a fome. O caos era o caos.
Antes mesmo de anoitecer pegou no sono, se encolheu num canto da cela e deixou as pálpebras descerem.
O sol estava batendo em seu rosto, abriu os olhos e contemplou o amanhecer, o velho estava bem a sua frente, olhando para o copo.
Dali a 4 horas iria para outro barraco. Só sair para o banho de sol e faria os contatos necessários para localizar os parceiros.
Viu os presos apostando copos com água, quem perdesse bebia um copo, não tinha paciência pra jogos, nunca teve, na verdade nunca gostou muito de perder, e a perda da liberdade já era mais que suficiente.
Faltava duas horas, já tinha contado as barras do xadrez de traz pra frente, já tinha mentalizado todos os prejuízos que teria com sua prisão, já tinha pensando em como seria seu primeiro dia em liberdade embora isso estivesse distante, mas pensaria em mais o que.
O velho não tirava os olhos do copo com água, não tinha ido ao banheiro uma única vez, não tinha sequer deitado? Será que ele havia dormido? Será aquilo algum tipo de loucura?
Faltava dez minutos, e começou a andar de um lado para outro, os minutos pareciam horas, silêncio total, de vez em quando alguém bebia um copo de água perdido numa aposta.
O sinal tocou, as celas foram sendo abertas uma a uma, ele pegou a pequena sacola, onde estavam um par de chinelos e duas camisas e antes de sair, olhou para o velho e não resistiu.
O que o senhor tanto olha ai nesse copo com água heim?
O velho ergueu a cabeça bem lentamente e disse.
Estou aqui a 22 anos e ainda não sei nada, e você chegou agora e já quer saber das coisas?
Ferréz é autor de Capão Pecado, Manual Prático do ódio, Amanhecer Esmeralda e Ninguém é inocente em São Paulo, todos pela editora Objetiva

O pão e a revolução (Ferréz)

O pão e a revolução (conto do livro Ninguém é inocente em São Paulo)

Coloram dois universitários no balcão, me afastei.
Estava no bar do Donato, um tiozinho pela ordem.
Com o bar havia sustentado os cinco filhos, nenhum virou malandro.
Notei os dois estudantes bebendo Coca-Cola e curtindo a vida agora.
Mais tarde, eles iam no “eu amo tudo isso”, tomar um lanche, fodam-se.
Um homem mancando se aproximou.
- Me paga um pingado e um pão, moço.
- Pão com quê? Perguntou um dos universitários.
- Pode ser com manteiga.
- Esse é o problema, meu amigo, pouca pretensão, por que não pede um pão com queijo?
- Preten... o quê? Perguntou o homem que mancava.
- Deixa quieto. Respondeu o outro estudante, meio impaciente.
Donato olhava a cena enquanto lavava os copos.
- Não pode ser assim. Informação é para ser distribuída, pretensão é você querer ter algo, explicou o outro universitário.
- Eu quero um pingado e um pão com manteiga, falou o homem que mancava e tinha uma mancha no olho.
- Faz assim: por que você não pensa em vender uns doces, sei lá, fazer algo melhor com sua vida do que pedir?Disse um dos caras.
- Deixa o homem, porra! Falou o Donato, meio alterado.
- Mas a gente só tá tentando dizer que ele devia revolucionar a vida dele.
- É, por exemplo, estudar, se empenhar, ter preparação para quando chegar a oportunidade.
- Mas ele só quer um pão com manteiga, gente! Falou quase gritando o Donato que havia criado cinco filhos.
Eu fiquei de boa, tomando meu café com leite, pensava num conto, mas me faltava algo.
- Então que ele se empenhe mais, isso é uma sociedade capitalista, não tem espaço para todo mundo.
- É isso mesmo, a vida é assim, a não ser que façamos a revolução. Brandiu o outro estudante.
- Eu só queria um pingado e um pão com manteiga, moço. Falou o homem mancado, com uma mancha no olho e um curativo no braço.
- Mas é isso, meu amigo, que estamos falando.
- É, ele não entende, tem que acontecer uma revolução.
O Donato interrompe a conversa, meu conto tá quase terminando, deu um pingado para o moço que abriu um sorriso e, mesmo antes de agradecer, foi lhe dado também um pão com manteiga.
- Tá vendo, é isso que não pode, tem que dar estrutura, dar a vara e não o peixe. Falou indignado o universitário.
- É isso mesmo, você está agindo com assistencialismo, não devia. Completou o outro estudante. E, mesmo antes de completar a frase, Donato o interrompeu e terminou a discussão.
- É o seguinte, seus doutorzinhos, eu trabalho aqui há vinte anos, todos vocês tem esses papos, esse homem tá nessa vida a todo esse tempo e quantas turmas já passaram por aqui, e essa tal de revolução não veio até hoje.
Terminei o café.
A faculdade da vida é mil grau.

êta enganação.

Salve, eu num guento, me desculpa mas assim não dá, a CUFA (Central única das favelas) que com esse nome "deve"representar muita gente do nosso povo, manda uma nota de agradecimento, tirando os agradecimentos a Globo, depois a Globo e depois ainda a um funcionário da Globo, veja a matéria na íntegra, e conte os nomes dos periféricos lá.

NOTA DE AGRADECIMENTOFalcão Internacional (Prêmio Rei da Espanha)
A CUFA vem por meio desta nota agradecer a todos os parceiros que nos ajudaram nesse projeto ( FALCÃO - MENINOS DO TRAFICO), projeto que começou a 8 anos e que deverá ter seu próximo ciclo com a exibição do documentário na integra em 2009. Queremos agradecer sinceramente a Rede Globo pelo carinho ao inscrever o nosso documentário em alguns concursos e festivais como jornalista Vladimir Herzog, Embratel, CNBB, que alias fomos vencedores, só para citar alguns. Fazemos também um agradecimento especial ao Jornalista Frederico Neves ( Rede Globo ), que é a pessoa que vem usando seu registro de jornalista para fazer algumas dessas inscrições, que por vezes causa nos produtores dos festivais algumas dúvidas em relação a paternidade do projeto, não sabendo a quem creditar a autoria da obra.Nosso agradecimento eterno aos familiares e favelas por aonde passamos. Ratificamos também nosso compromisso de doar para os projetos da Cufa todos os valores que por ventura advenham desse projeto.Nosso agradecimento especial ao roteirista Rafael Dragaud (um dos Fundadores da Cufa, diretor do Prêmio Hutúz, curador do Hutúz Filme festival e funcionário da emissora Globo) a quem nós da Cufa confiamos mais esse trabalho e que esteve sempre empenhado na edição e concepção ao lado dos irmãos e não menos importantes e profissionais: Carlos Eduardo Salgueiro e Frederico Neves. Fica aqui nossa lembrança dos longos meses que passamos juntos para definir o que de melhor deveria ir ao ar, e parece que acertamos.
Afirmamos que será injusto esquecer de outros nomes importantes, mas seria injusto da mesma forma deixar de citar esses personagens decisivos em momentos distintos desta obra, algumas inclusive arriscando suas vidas. Esse projeto não foi pautado em dinheiro ou coragem, mas em amor . Amor aopróximo.
Agradecimentos:
Ali Kamel
Anderson Quak
Ângela Sander
Antônio Amaral
Arthur Lavigne
Astério Pereira
Beto Carreiro
Cacá Diegues
Carlos Henrique Schroder
Carol Delgado
Cláudia Raphael
Dimitri Caldeira
Eduardo Salgueiro
Fausto Silva
Flávia Oliveira
Frederico Neves
Giorgio De Luca
Henrique Mathias
Katia Bárbara
Katia Lund
Kenya Pio
Luis Erlanger
Luiz Nascimento
Luiz Roberto Pires Ferreira
Mano Juca
Marcella Peçanha
Marcia Leite
Marina Maggessi
Miguel Vassy
Nega Gizza
Nino Brown
Paula Lavigne
Pedro Lacaille
Rafael Dragaud
Rafael Ruas
Rafael Vandstadyt
Renata Moutinho
Ricardo Macieira
Rodrigo Felha
Roberta Salomone
Siro DarlanVerônica Dorey
CUFA - Central Única das Favelas

Coisa ruim sempre vem em três.

Salve
Vocês já ouviram falar que coisa ruim só vem em três? porra to achando que isso é a mais pura verdade, eu odiei dar a notícia da morte do Disco D, e já tava com outra pra falar, dessa vez de uma pessoa que foi muito mais próxima e me ajudou muito na carreira, além de ter somado para a construção da biblioteca do projeto perifeira Ativa, e não só isso, era um dos maiores seres humanos que conheci, a alemã Ray Gude, que era chamada de Raynha dos escritores brasileiros, quem tem livros traduzidos sabe da importância do seu trabalho e da sua agência, além da elegância que ela esbanjava, sempre falando baixinho e comedidamente.
A morte de Ray, levada pelo câncer foi a segunda notícia ruim do ano, tanto que até demorei para postar, fiquei abalado porque ela tinha me mandado um e-mail no final do ano, e eu respondi mas não recebi a resposta, coisa que ela nunca deixava no ar. depois num bilhete da Muareen veio o recado, ela havia falecido.
agora a terceira (e tomara que seja a última), fiquei uma semana lendo o ótimo álbum "o Fotógrafo"uma viagem no Afeganistão, e estava doido para indicá-lo a todos, pois é a obra fotografia+quadrinhos+jornalismo mais fantástica que já vi, e quando fui pesquisar o preço para indicar que é R$ 41,40, direto pelo site da conrad editora, que está num preço muito bom, por se tratar de uma obra de capa dura, e de fotografia, descobri que Didier Lefèvre havia falecido, a apenas 4 dias.
ele fez três albuns, o primeiro está disponível pela conrad, ai vai um release do trabalho.


O Fotógrafo - Volume 1 Guibert, Lefèvre e Lemercier Fotografia e quadrinhos para contar a Guerra do AfeganistãoO Fotógrafo é uma das principais provas de que o jornalismo em quadrinhos associado à obra de Joe Sacco já está virando um gênero. O livro lança mão das possibilidades estilísticas das fotos em preto e branco e da versatilidade dos quadrinhos para produzir um trabalho novo e relevante. O livro conta a história do fotógrafo francês Didier Lefèvre, que em julho de 1986 partiu para o Afeganistão acompanhando uma equipe dos Médicos Sem Fronteiras. Naquela época, o país estava em guerra, com tropas da União Soviética lutando contra os guerrilheiros mujahedin (que mais tarde instalaria o Talibã no poder). Lefèvre achou a experiência tão marcante que resolveu transformá-la em livro.Dividida em três volumes, a obra traz o relato pessoal da experiência de Lefévre no país, com as dificuldades e perigos enfrentados pelo profissional e pela equipe de Médicos Sem Fronteiras. A história é contada através da mistura de fotos em preto e branco do autor e quadrinhos assinados por Emmanuel Guibert, com diagramação e cores de Frédéric Lemercier. O primeiro volume chega ao Brasil em novembro pelas mãos da Editora Conrad. A edição brasileira contará com prefácio da diretora de MSF no Brasil, Simone Rocha, que também já esteve em missão no Afeganistão em 2004, quando durante dois meses visitou seis províncias de carro. Atualizando o conceito de jornalismo em quadrinhos, O Fotógrafo é essencial tanto como arte quanto para entender a complexa história do Afeganistão. Nº de páginas: 88 páginasFormato: 23x30 cmISBN: 857616-204-0N.Total de edições:03 exs
e aqui está a notícia oficial sobre sua morte, uma grande perda para os quadrinhos e a fotografia.

O fotógrafo francês e personagem principal do álbum O Fotógrafo, Didier Lefévre, morreu na noite entre os dias 29 e 30 de janeiro, vítima de um ataque cardíaco. Com 49 anos, Lefévre ganhou, no dia 27, o Angoulême, mais importante prêmio de quadrinhos da Europa, pelo terceiro volume de O Fotógrafo. Casado e pai de dois filhos, Lefèvre tornou-se mundialmente conhecido pelas coberturas fotográficas que realizava nas missões da ONG Médicos Sem Fronteiras, visitando ambientes em guerra para o auxílio das vítimas civis dos confrontos.
Sua primeira viagem ao Afeganistão , em 1986, rendeu-lhe a série em quadrinhos (ilustrada por Emmanuel Guibert e diagramada por Fréderic Lemercier) O Fotógrafo. A obra, em três volumes, mistura fotografia em preto e branco com a linguagem ágil dos quadrinhos para retratar a realidade de uma guerra cujas conseqüências são sentidas até hoje no país. Acompanhando os MSF, Lefèvre esteve em países como Libéria, Kosovo, Sri Lanka e Camboja.
A Conrad junta-se aos familiares, amigos e colegas de Lefèvre, lamentando a perda de um talentoso fotógrafo que declarava aos amigos: “Eu fotografo com o coração.
fica ai meu grande sentimento, principalmente porque os albuns de Lefévre são uma grande viagem para se entender o complexo ser humano.
meus sinceros sentimentos.
Ferréz

Realidade Perversa (texto feito para o relatório da O.N.U)

Realidade perversa (texto feito para o relatório da O.N.U)

Pretensão de ter algum respeito, pelo menos na viela onde você mora. Pra isso alguns viram policiais, outros bandidos, e outros preferem a vida mais difícil, a honesta.
Levantar as quatro da madrugada, e lutar o dia inteiro, fritando filé mignon pros outros e sem ter um ovo para dar aos filhos, cuidando da segurança da elite e sem ter segurança no próprio bairro, o povo enche o transporte coletivo, e só volta pra periferia a noite, onde não tem paciência nem para ver o caderno do filho.
A sensação é de desespero, quando chega o fim do mês e você não tem dinheiro para manter a dignidade.
Só queria ter isso, só queria ter aquilo, ter de tudo pra não dar mais tanto valor apenas no pão com manteiga.
No corpo cansado é visível o desgosto, o olhar perdido ao longe, o desemprego é o assunto da maioria, a falta de dinheiro já é rotina.
Policiais petulantes passeiam gastando a gasolina do estado, com arma na mão apavora o mais humilde, da estiletada na cara, rasga a barriga do menor, que não soube dizer porque estava naquele horário na rua, talvez tivesse vergonha de dizer que está ali porque seu pai chega bêbado e o espanca toda noite.
O tráfico continua, o homicida continua, pois a justiça aqui tem um preço.
Pode vim a civil, pode vim a rota, rajada, rajada mesmo só se não tiver idéia, porque o resto o dinheiro compra.
Qual o lado real dessa guerra? O das reportagens policias numa TV que aliena mais o povo, ou o desfile do ladrão de carro importado e ouro no pulso, que com sua aparência convence o menino que a escola não é o caminho?
A cultura criminal já se apossou das nossas vidas, difícil é falar de amigos sem dizer a palavra finado na frente, difícil não falar de cadeia, de briga, de pistola.
O que plantaram pra gente? Desesperança, o que vão colher? Uma geração inteira de psicopata que no começo da vida não teve outro caminho a seguir. Sendo empurrado como um boi para o matadouro.
A escola é quatro horas, a vida é vinte e quatro, o pai não cria o filho, a rua sim, a elite financia a miséria e no final todos se trombam na guerra ai fora.
É muita treta, morar num lugar que ninguém se respeita, onde os ratos desfilam pelas ruas, onde seu filho brinca com a água do córrego, e no final querer competir no mercado de trabalho com o filho da elite que fez inglês desde os cinco anos de idade.
O que estamos plantando para nossos filhos aqui? Não temos nem a consciência de uma cultura, não temos nem como contar nosso passado, então como olhar o futuro?
A vida é um retorno ao grande nada aqui na zona sul de São Paulo a vida é uma grande piada, embora agente quase nunca de risada dela.
Assim como todas as periferias de São Paulo e do Brasil em geral, as leis são outras.
Homens nervosos, com armas na mão, que nunca olham no olho da população, despreparados e desorientados, quantos eu já vi com o sintoma da droga, cheirados até ficar mordendo, aquela arma engatilhada, apontada para um suspeito que no máximo deve ter 12 anos de idade.
Uma coisa gera a outra, e o campo de concentração moderno não tem diversão, é paranóia o tempo todo, ficar sentado na frente do bar, fumar um cigarro, e quando tiver mais idade ir para o baseado e dali para a farinha.
O traficante distribui a droga que a televisão já vendeu a muito tempo, convencendo durante anos que por mais que agente se esforce nunca vai ser como eles.
Eu no meu pequeno mundo não julgo ninguém, porque sei como é duro viver como um zé ninguém, e tantos optaram por viver como rei pelo menos até os vinte anos, vida de ladrão não dá aposentadoria, mas a rapper já fala, quando o filho chora de fome, moral não vai ajudar.
A periferia não é um bloco, somos vivos, somos diferentes, e no fundo temos o mesmo sonho, um futuro melhor, sem covardia, sem drogas, sem sofrimento e sem mortes.
Mas o homem prostituiu tudo e hoje felicidade não é gratuita.

Ferréz, 29 anos, é morador do jardim Amália (Capão Redondo, zona sul – SP) autor dos livros Capão Pecado, Manual prático do ódio e Amanhecer Esmeralda e Ninguém é inocente em São Paulo (objetiva).